quarta-feira, 28 de julho de 2010

Óleo sobre loucura, três da manhã


Numa noite serena e nevoenta, ele deambulava, olhando as espadas e as estátuas, quietas, mudas, calcorreava as ruas e pensava, fumando na boca um cigarro e piscando os olhos devagar… talvez apenas sonambulasse. Se se pudesse mudar dois anos que fosse, galgando tempo,eu desataria à procura dela, eu dar-lhe-ia a mão, mas então?, então! Então eu teria apenas vinte anos e toda a minha vida com ela. Com ela? Sim com ela. Dois anos apenas. Como? Nem que tivesse que calcorrear toda a cidade em milhares de noites, ou nem que tivesse que ouvir a mesma canção dezenas de milhares de vezes. Algures numa encruzilhada, esperá-la-ia e roubá-la-ia. Enlouqueces! Aos poucos! Recita lá mais um verso e dá cá mais um cigarro. Vão faltando cigarros e quem os fume… leva a mão ao bolso e tira o isqueiro com que alumiaria por entre a chama eterna… as estátuas iradas confluíam contra ele… se eu pudesse mudar dois anos, desataria à procura dela, dar-lhe-ia a mão… O tempo nunca foi em brincadeiras com a noite! Mas, um último e estranho calafrio o perpassou! E se ela me não reconhecesse?

Nuno Monteiro

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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