terça-feira, 28 de abril de 2009

Outra vez para vós alunos meus...


Um texto leve para vos não maçar muito. Um punhado de palavras para levarem para casa e para docemente as saborearem.

Não deves dar importância ao que não tem importância. Não deves deixar que os outros falem de ti pelas tuas costas. Não podes consentir com tudo o que os outros querem fazer. Não deves falar de mais. Deves ouvir muito e ler ainda mais. Deves ouvir as pessoas certas. Normalmente as pessoas certas são as que te não escovam. Ou as que te obrigam a passar maus bocados. As pessoas de idade podem não ser essas pessoas certas. Mas não podes deixar de falar comas pessoas de idade só porque já têm idade. Não deves responder aos sorrisos com soberba nem aos soberbos com incúria ou silêncios. Deves procurar a concórdia e deves tratar todos com ética e moral. Por muito que a vida pegue contigo e te queira derrubar. Deves tratar a todos eticamente e educadamente.
Deves saber que se ajudares serás ajudado. Se maltratares serás também tu maltratado. Deves compreender enfim o que vale um sorriso. E deves atentar no seguinte – o sorriso encerra em si toda a humanidade. E sinceridade. E honestidade.
Deves estudar. E quando acabares de estudar deves sentar e estudar outra vez. E ainda uma terceira vez para que tenhas a certeza do que saberás. Só a cultura te dará a independência que almejas. Só a arte te dará a serenidade que mereces. Só a arte te permitirá reunir armas capazes de vencerem a própria vida.

Deves esperar da vida o mínimo possível. E deves sorrir e fazer rir. Ou oferecer doces. Deves agir com criatividade e deves procurar ser empreendedor. E senhor da tua posição. Mendigo e altivo. Com pronúncia e calças rotas. Ou com tatuagens. Não deves querer apressar a vida. Não durmas depressa demais. Saboreia. Trabalha. Estuda. Só então te deixarão para que possas ser. E não te traias. Nem a ti nem a outrem.

E por último sabei o quanto fizeram hoje. Sabei que por detrás de todo o trabalho que me dão são um dos meus orgulhos. Porque aceitaram aqui estar e porque declamaram e leram obra minha. E eu não posso querer maior glória. É a vocês que tenho que agradecer. Nada mais desejo dizer. Muito obrigado.


Nuno Monteiro

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Internacional - em Abril


Era em meio de um monte e nas planuras do Alentejo
Era em meio de terra e fenos
Em círculo ecuménico de grandes meteoros
Era ao fim do dia
Ao longo da tarde
Era com todos
Era ao sorriso de Cristo
E sob o beneplácito de Madalena
Estava lá também a tua Mariana
E o meu Melquíades
Exacta noção da disciplina e do momento
As lendas dos velhos e os livros de bolso
Era em meio de noite sob um banho de estrelas
E ao redor da fogueira
Era da aurora e da noite
Era das cores do fogo santelmo
Era ali em meio de terra
Era em terrível salga que toda a salga salgaria se ela quisesse ser salgada
Era por detrás dos campos e acima dos silêncios
Era ali que se entoava
Era lá que se fumava
E se tingiam de vermelho estes dias de Abril
Era de mãos fincadas na terra e de faces vincadas de chicote
Que se traziam as goelas cheias e inchadas
Da internacional...
Nuno Monteiro

domingo, 26 de abril de 2009

A Flor e a náusea


Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me'?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobrefundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas.
Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornaise soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvoe dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotadailude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia.
Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia.
Mas é uma flor.
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Carlos Drummond de Andrade

To a Friend who sent me some Roses


As late I rambled in the happy fields,
What time the skylark shakes the tremulous dew
From his lush clover covert;—when anew
Adventurous knights take up their dinted shields;
I saw the sweetest flower wild nature yields,
A fresh-blown musk-rose; 'twas the first that threw
Its sweets upon the summer: graceful it grew
As is the wand that Queen Titania wields.
And, as I feasted on its fragrancy,
I thought the garden-rose it far excelled;
But when, O Wells! thy roses came to me,
My sense with their deliciousness was spelled:
Soft voices had they, that with tender plea
Whispered of peace, and truth, and friendliness unquelled.

John Keats

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Esta ternura


Esta ternura y estas manos libres,
¿a quién darlas bajo el viento ? Tanto arroz
para la zorra, y en medio del llamado
la ansiedad de esa puerta abierta para nadie.

Hicimos pan tan blanco
para bocas ya muertas que aceptaban
solamente una luna de colmillo, el té
frío de la vela la alba.
Tocamos instrumentos para la ciega cólera
de sombras y sombreros olvidados. Nos quedamos
con los presentes ordenados en una mesa inútil,
y fue preciso beber la sidra caliente
en la vergüenza de la medianoche.
Entonces, ¿nadie quiere esto,
nadie?

Julio Córtazar

domingo, 19 de abril de 2009

...


Quero escrever um texto.
Agora, neste momento
E dizer-te que queria que fosses como o vento
Que sempre passa
E passasses por mim neste momento
Tal e qual o vento
Que me empurra
Mas não me derruba
Vento gélido que corta
Não penses deixar-me morta
Pois não conseguirás
Mas és tempestade
Tempestade forte mas, passageira
Tempestade ameaçadora mas, inofensiva
És sobretudo uma realidade
Que me mostra a Ilusão
Da vida, do mundo, do coração
Palavras que jamais se complementarão
Nem nesta vida,
Nem neste mundo,
Nem neste coração

Ana Pinto

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Os mortos - eu os vi - na primavera


Os mortos - eu os vi - na primavera.
Ressurgiam dos corpos. Eu os vi.
A primavera começava neles
e terminava onde a alma estava.

Os mortos - eu os vi - iam descalços
na primavera, iam libertados.
Nada tolhia, nada separava
os pés das coisas vivas.

Os mortos - eu os vi-
não tinham rosto nem nome.
Eram muitos.
Num só se acrescentavam.
Eram muitos e vivos.

Perguntei-lhes por onde a primavera se alongava.
Os mortos - eu os vi - na primavera.
O sol dobrava neles os seus frutos.
O sol entrava neles. Eram larvas.

Carlos Nejar

Para os meus alunos...


Hesitei muito antes de escrever este texto. E não estou certo se o conseguirei escrever até ao fim. O público é mais exigente. É a primeira vez que me apresento perante uma plateia de jovens. Mas por outro lado não posso desgarrar esta oportunidade. De estar aqui convosco e de vos olhar face na face e de vos falar. Calmamente e sem pressões. Como se estivesse a ler. Calmamente e sem sujeições. E antes gostaria de vos agradecer. Da mesma forma gostaria de agradecer a todas as pessoas envolvidas na nossa vinda aqui. Não vou abordar o livro – que até já foi alvo de uma análise por parte da vossa professora. E sem querer depreciar ou beliscar a apreciação que aqui foi feita eu acrescentaria apenas que a poesia é um estado de alma e enquanto estado de alma sente-se, vive-se, contempla-se, acrescenta-se. Reinventa-se a cada leitura.
Quanto a vós alunos que estais aí sentados… e sem vos querer maçar…gostaria de dizer apenas que eu me sinto tão mais confortável a ler. Os livros seleccionados por mim e não as modas ou as imposições dos outros. Julgo que cada um de vós deveria manter a liberdade de escolher o livro para a semana. Como se fosse o tpc que eu marco para mim próprio. Sempre fui avesso às imposições…e para meu martírio esta vida é um sacrário de imposições…um sortilégio de espiões e de delatores…um imenso hall de inveja e de escárnio. Onde eu me sinto por vezes perdido. Onde não há âncoras dignas ou onde faltam mastros elevados como altos desígnios. Para além de ser escritor sou também geólogo e se a vida me maça e me arrelia vezes sem conta dou comigo perdido na imensidão da serra olhando os pastores com as ovelhas. E ao final do dia cheio de fome e de frio desço para o incerto e para o egocentrismo. Para o meio dos que julgam que sabem. Para o meio dos que sabem que sabem tudo. E quando estou no meio dos que tanto sabem eu calo-me e escuto. Normalmente asneiras ou imprecisões. Ou resguardo-me e embrenho-me nos meus livros. Nos livros dos outros que eu considero meus. E ouço-os falar comigo como se fossem rochas. E os livros não inventam, não gaguejam, não têm medo, não proíbem, não são autoritários nem tímidos nem piegas nem avaros nem gulosos. São peças vivas que querem que tu lhes pegues. Que chamam por ti e que te dão vida e sabedoria. Tudo o que o homem precisa! Tudo quanto tu precisas são pórticos de saber são compêndios de filosofia que te ensinam a arte do sorriso ao longo do corredor da vida. Não te esqueças que as palavras escritas não mudam nem mudam de casaca. São imunes aos poderes são voz do contrário e não têm medo. Não conheço compêndio mais vivo de sabedoria que páginas e páginas de papel de escrita.
Para além de escritor e de professor sou geólogo nas minhas horas vagas. E para as serras levo os meus filhos e três livros. E nos intervalos das merendas em meio de monte e de urzes em meio de bichos e de cobras digo em voz alta uma história …e eles os dois…os dois pequeninos o mais pequenino tem quatro anos grita comigo muito alto…e eu julgo-o louco…louco e livre…embrenhado em histórias e então eu falo com as pedras e digo-lhes logo de seguida que também as pedras nos estão a ouvir e se pudéssemos encostar-lhes o ouvido, se pudéssemos encostar-lhes o ouvido então também elas nos contariam a sua história. E que história. A importância da história. Livre e aos berros. E os outros levantam-se de dedo em riste e acusam louco…louco…louco…doido. E aí eu rio e digo que sim que sim que sou e acuso, e então acuso. Acuso-os a todos de imparcialidade na leitura e no juízo. Quantas vezes os meus alunos me acusam de loucura. E eu importado com isso. O estado normal do homem é um estado de loucura. Uma loucura sã de tertúlia e de verso. E uma loucura de verdade e de altruísmo. Ou um estado de loucura que se confunda com criatividade. Um criativo ajustado que derrube os outros com uma única tirada irónica. É para isso que serve a leitura. É ela que te dará a capacidade para o fazeres. E só assim poderás ser homo sapiens sapiens. Duplamente sabedor. Doutra forma serás um excremento egocêntrico em meio de irrisórias figuras espectrais.
Tenho muito medo do que será o vosso futuro se vos não quiserdes aproximar da literatura e da cultura. Porque só a cultura é a passadeira que vos fará caminhar em direcção à verdade. Só a cultura vos permitirá reunir armas para vencer. Tendes um futuro armadilhado à vossa frente. Tendes um mundo incerto e vagabundo à vossa frente. Sois vós que apanharão com todos os desmandos que têm sido cometidos. Vós. Vós sereis porventura a primeira geração que perderá qualidade de vida. E eu olho-vos e vejo olhos caídos e sonhos mortos. Péssimo sinal. Como se um corvo agoirento sobrevoasse o céu.
Já deveis ter ouvido falar na China e na Índia. As chamadas potências emergentes. São quem manda no mundo. E vão mandar mais. Muito mais. Porque ensinam mais e melhor os filhos. Porque os meninos chineses sabem mais e são educados num ambiente de maior rigor. E crescem enquanto adultos mais capazes. Nem o dinheiro nem a terra chega para todos e se então eles ocuparem o lugar então serão vocês que se sentarão no chão. Serão então vocês a geração dos quinhentos euros semanais. Vocês sabem o que é viver com quinhentos euros? Não é a literatura que só por si nos irá salvar. Mas ajudará. Ajudará a fortalecer as pequeninas células nervosas. Ajudará porque inexoravelmente fará o adulto e conduzirá à ideia, à obsessão frenética. O trabalho disciplinado e regular que nos salvará jaz hoje pedinte aos vossos pés. Será que vocês o querem?
Uma última achega…e depois podeis fazer-me as perguntas que quiserdes…muitas vezes vos tenho visto lado a lado estrada fora mas cada um com seu telemóvel … boca calada e dedo polegar frenético…porquê?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Para ti queria a pista mais bela




A montanha mais elevada
E a palavra mais bonita
A flor
És a flor
O canto das acácias
O calor de todo o céu
O normando corso de vermelho do fim do dia
O índio peruano que olha a montanha sagrada
O santo milagre que brota da raiz da árvore milenária
E para ti a pista mais bonita
A salga mais salgada
A íris azul da bochecha inflada
Os pés e a vulva
Os cachos de vinho que te ensombram a fronde
Todos os aviões do céu
Todos os cometas risíveis e indivisíveis

Pedra enfeite e adorno dona de um mundo subterrâneo dona de mil subterfúgios
Vê em mim todos os teus filhos e acomete-os da loucura da palavra
Da sinecura do ácido
Da sinagoga quente de teus lábios grossos.


Nuno Monteiro

defeito de visão


um dos muitos…
vem de olhares demais ao perto…
e esqueceres o longe longínquo horizonte que te deveria ser norte…
“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas