sábado, 31 de outubro de 2009

O que é o plural de um monólogo



Sou eu deitado dentro de mim quando nem um pio deito do fundo desta minha caverna… um eu hibernante que teima em sorrir… desviado do mundo e nunca olhando antes fugindo assoberbado de espanto ... crudelíssimo de suor … desviando a minha cara minha da face do espelho da face do medo…
ou
Serei eu em meio de garrafa e em pleno convívio em meio de múltiplos bares e de sons e cores. E de sons e cores. Não triste. Não acabrunhado. Não idêntico a mim. igualzinho a mim próprio. Digno de mim. completamente digno de mim mesmo quando rio deste infanticídio. Mesmo quando escarneço cobarde esporeando as estrelas e cavalgando Galáxias. Sobejo de energia. Uma força vital desmesurada e desmedida. Num palco. Ao centro. Imensamente quente!
ou
Não serei eu acabrunhado e triste perante a ponte. Perante a miragem. Perante a queda. Não serei eu acabrunhado perante o silêncio. O silêncio tempestade de negação humana. Soltando as entranhas que não tenho. Dispersando sémen que arde enquanto fogo.
ou
Eu. Alma! Sereno! Respirando a montanha e alegórico! Categórico! Lendo. Contemplando um pretenso vazio. Uma espécie de nirvana.


(quantos “eus” caberão dentro de mim! quantos espelhos terei eu dentro de mim! quantas faces minhas diferentes!)


Eu? Eu nunca saberei definir o homem. Eu nunca conseguirei transportar esta nossa espécie de viagem. Eu sequer sei se vivo?! Eu sequer sei se morto?! Morto vogo por sobre espumas de risos. Vivo vogo por sobre risos e espumas. Vivo ou morto atravesso o tempo. Vivo ou morto escrevo estas linhas. Nada mais sei.
Seja então a minha voz a de um monólogo. Seja. Embora eu não seja. Um clarão de nuvens ribomba sobre mim e despeja água. Água pura e pacificadora.
Eu. Alma irada não respondo! Não respondo. Berro muito alto. Emudeço. Olho as horas. Tudo me mete medo. De tudo me afasto. Quanto mais me afasto mais me sinto só. Num ilhéu. Nem uma árvore espectral. Nem uma cova.

(quantos “eus” caberão dentro de mim! quantos espelhos terei eu dentro de mim! quantas faces minhas diferentes!)

E tempo?! egos? Quantos serão os meus? Respostas quantas?... menos de mil não conseguirei eu arquitectar! Quantos sujeitos serei eu?
Findo mais um livro. Renasci. Já não sou eu. Não deixei de ser eu. Por vezes vomito. Muitas vezes vomito. Todo o barulho me torna prenhe demais. Toda a verborreia dos dias. Tudo é vomitado. Tudo é desperdiçado. Alguém saberá onde pára a vida?
Quem me dera poder ler a meu bel-prazer dentro de uma redoma de vida. Fértil campo de feno. Ilha solitária de pão e dor. Não! Não dor. Encarnado. Juventude. Instantes de juventude. Não é isso que também quererás?!

(por volta de mim risos… duendes e estridentes ecoam pelas paredes e enfunam pelas ruelas tão estreitas)

sou do tamanho da ilha mais pequena e todo o meu eu está cravejado de solidão. uma gaivota. paira de olhos irados. Quantos de mim verá?! não sei construir plurais! não sei tecer romances. primeira pessoa. sempre da mesma forma. muitas pessoas dentro de mim…

Nuno Monteiro
Imagem - Guernica - Pablo Picasso

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Chuva no tempo




Aninhou-se melhor, pondo os braços em volta do peito. Dóia-lhe, não era uma dor física, era uma dor interior, uma dor que lhe dilacerava o peito… E a alma… Respirou fundo, tentou dormir, mas não conseguiu. A imagem estava na sua cabeça. Estava a morrer por dentro. Por que é que a sua mãe a havia abandonado? Ela não percebia. Ouviu gritos. Encolheu-se ainda mais, tapou-se com a colcha e chorou. Chorou, não sabe quantas horas. Era de manhã, acordou, tentou levantar-se. Porém, o buraco presente no seu peito aumentara e doía-lhe cada vez mais. Tentou de novo. Conseguiu ouvir chuva. Vestiu-se. Desceu as escadas. A dor que a perseguia era cada vez maior. Gritou, porém, a dor pareceu não ligar. Aumentou. Saiu a correr e foi para o rio. Chovia muito. Estava encharcada mas por dentro ardia. O rio estava furioso, mas parecia gritar de dor. Como ela. Sentou-se. Começou a ficar fria. De repente sentiu um cobertor. Olhou e viu-a. Começou a gritar. Ela estava com medo. Decidiu sair a correr. Chegou a casa, atirou-se para a cama. Cobriu-se e deixou-se ficar ali, até a dor passar. Para sempre.

Maria Papoila
“é o meu pseudónimo e é com ele que eu assino os meus textos. Foi escolhido pela minha mãe”

Linda- Inês Bertelo, 13 anos

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

boca chuchando no dedo...

vou mostrar cavalos
forcados
touradas

ao pequenito que está ao meu lado

volto já!

sou o pequeno príncipe empoleirado no seu asteróide

sou um peter pan

mas tenho que ir depressa

antes que o miúdo se afaste...

Nuno Monteiro

cabelos pretos...

Para que me dizes que eu tenho um blogue...
para que me queres dizer que eu tenho um blogue...
Para que haverás tu que sorrir dizendo que eu tenho um blogue...

Não sabes que me magoas?
Ou queres magoar?
e isso fará de ti o quê?

(preferia que abrisses o blogue e lesses o que lá está escrito. Isso é que me faria feliz...)

Nuno Monteiro

a primeira pessoa

Gosto de discursos na primeira pessoa… sujeitos que te dizem cruamente que a porcaria da estrada à noite é para passar voando correndo. Sujeitos que não estão cá com meias m…
E portanto é isto! Que digam! Mas que o façam pela frente. Que me empurrem! Ou me esmurrem. O resto só sabe a melaço. O resto é infame.
O mal do mundo é que está cheio destes pequeninos infames. Fraca coragem. Pouca frontalidade. Muita pintura e muito berro. Muito vento. Muita parra. Parra parra parra! Palmeiras e montanhas de parra…
Há ainda os bufos! Ora tanto bufo… discurso na primeira pessoa contra esses miseráveis infames. E armas em punho e peito pronto. Em guarda!
Também não gosto dos mal-criados. Esses são os piores. Tolero tudo! Desde a falta de coragem à insipidez. Mas não suporto má criação.
Também há os que roncam que sim que fazem que deitam abaixo. Pois! Há sempre o ronco do bruto.
E finalmente há o parvo. Que nem sabe que é parvo. Esse merece piedade.
Por detrás de tudo isto… por detrás de tudo isto e depois de muito discurso na primeira pessoa! O que há? O que sobra? Migalhas e miseráveis! Gente com um valor incalculável mas que foram sempre preteridos. Gente duma coragem ímpar. Gente que vive arquejando mas que acumulou tanta vida. Pessoas extraordinárias porque resilientes.
Para que servem os livros?! Os bons livros! São o ar que eu respiro. São o meu punhado de fé! São a minha fonte de resiliência. Gosto de pensar que sou resiliente. E já agora. Igualmente miserável. Como o Cortazar. Como o Bolano. Lutarei tudo contra esses infames infestantes! Até, finalmente, galgar das correntes da minha Orão.
Não ouço som nenhum dentro de igreja alguma. Primeira pessoa. Tenho comigo uma imagem do Cortazar olhando um gato selvagem. Igual ao meu. Meu camarada! Primeira pessoa.
Nuno Monteiro

sábado, 24 de outubro de 2009

Rodófitas são cabelos em chamas




A pequena anella olhava seus pés com espanto. Semi-mergulhada dentro da água do mar tão bravo. Prodigalizava-se em banhos de espuma e aqui e acolá… saltitando entre esta e a outra e ainda a próxima onda de espuma… era o sangue dentro de seu coração que a fazia mover. Chorava muito mas de fartura. Do pouco que a vida lhe dava. Sua cabeleira de cabelos ondulados. Não inundada de sol. Apenas molhada da água fria daquela praia do vento… ao longe marulhavam os navios que carregavam pedaços de enormes costados. Ainda mais ao longe sabia dum mar prenhe de sereias e de utopias tão túrgidas quanto os quartos de brinquedos e as lufas de capa e espada. Anela sempre fora a menina espadachim. Sempre magra! Sempre orgulhosa! Sempre viva. De olhos do mar.
Entretanto crescera e quando os olhos dela olhavam…


(Naquele momento, naquele instante, naquele sol daquela praia… ela era da baía de luuanda… tão distante da ponte, das tábuas, do pó.)


A Anella do corpo franzino auscultava seus pés com espanto. Meia ave meia mulher era ela quem se debatia entre as ondas daquele mar tão bravio. Soprava contra o vento como se daquele sopro… como se da ténue força daqueles pequeninos pulmões… como se dum Divad. Apontaria sempre à estrela. Apontaria sempre à utopia. Era assim que ela mergulhava e deixava ao salitre seus cabelos de chamas da cor das rodófitas.


(morava na ponte, por baixo, entre a terra amarela inclinada e o vão! Por cima de umas tábuas velhas…)


Sempre fora espadachim sem a espada. Tarde de mais para a empunhar. Substituíra-a por uma pena. Inútil pena que não comoves… Não havia vivalma na praia. Sussurrava aos pássaros. Gigantes alados que lhe pisavam todo o areal.


(homens com asas destruindo todos os castelos todas as fronteiras todas as torres…)

Arrastava-se graciosamente para fora de água. Deixava na areia pequeninas pegadas. As pequeninas marcas dos seus pequeninos pés. Pena que as unhas pintadas de encarnado não se deixassem gravar na areia. Pena que aqueles pés que Anelle olhava com espanto! Não coitados! dos pés que anella usava com orgulho! Mas pena que esses pés… a contradissessem em tudo e a arrastassem sempre de volta ao início. Sempre de volta ao frio. Sempre de volta à origem.


(por cima de umas tábuas velhas… sim era aí onde ela morava… entre o chão batido de terra e o vão…)


Assim era anele! Assim é ANELE. Assim será elen! Uma outra fada anairO. Mais seus belos cabelos teimosos como rodófitas. Longamente contemplando seus pés pequeninos e redondinhos. A pequenina mulher que ousava saltitar entre espumas de onda.
E enquanto corria e sorria pelo areal! Quanto daquele sorriso! Aquele trigueiro corpo deixava uma cauda, uma cabeleira – dir-se-ia um cometa – era sem dúvida da chama! Das chamas que são seus cabelos. Não sei se dos cabelos! Não sei não! Talvez seus cabelos rodófitas sejam prolongamentos neuronais. Talvez aquelas chamas sejam ideias. Florestas em lugar de mesopotâmia! Pequenos lustres de fogo coroando toda aquela magreza.
Sim! quanto daquele sorriso! Não é bocado que falta no meu e no teu…

Nuno Monteiro

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Conversa entre o estado e a menina


(Aqui fica transcrito e registado na íntegra a conversa que a menina teve com o estado)

Menina: Como é facilmente visível falta-me grande parte da face esquerda! Foi um garoto de rua que eu tentava encantar… enfim! Ninguém me dá emprego! Não tenho qualquer fonte de rendimento…
Estado: e então que pretende?
Menina: pelo menos um cirurgião que me devolva aos poucos a minha antiga face…
Estado: e que garantias tem que todos esses tecidos em falta são substituíveis?
Menina: “…?????????????...!!!!!!!!!!!” entorna o cabelo preto sobre a face esquerda para não se expor tanto.
Estado: deve preencher primeiro este impresso! Título do papel: Registo de autorização para consulta médica de especialidade. Terá então que o fazer acompanhar de um comprovativo de emprego…
Menina: (interrompendo) Mas se eu não consigo emprego!
Estado: Se não se encontra empregada não tem direito a estado!
Menina: Como podem as regras excluir-me…
Estado: (interrompendo) muito simples se a menina não trabalha não desconta e se não paga ao estado o estado não pode pagar ao cirurgião. E voltando à carga: O estado antevê – pelo seu aspecto e figura – uma condição clínica complicada! E uma reabilitação complicada e morosa. Logo dispendiosa. Não é o género de serviço que se faça de borla.
Menina: então e poderia o estado ao menos providenciar-me um lugar na administração pública? Assim já poderia pagar pelas minhas operações…
Neste preciso instante batem as cinco horas! O estado entrega uma ficha com um número à menina
e
Queira desculpar. Acabou a minha hora de expediente. Reabriremos a repartição amanhã às nove horas. Passar bem…
A menina fica desamparada e de novo na face da rua. E é então que se apercebe que toda a rua está polvilhada de buracos. Toda aquela rua é um gigantesco estaleiro de pobres e pedintes. Toda a rua é um alter-ego seu. Só nessa altura percebeu o que deveria fazer…

Dez da noite. Toda a rua dorme ou serenamente se prepara para deitar. Os candeeiros só agora acendem. À medida que cai a escuridão! As aves recolhem-se e dormem. Não há sinal de libertação. Da minha rua eu não vejo senão a candeia que menos alumia. Da minha rua eu te não vejo a ti. Da minha rua. Só o instante seguinte. Só o vento, nem o vento. Da minha rua.
Nuno Monteiro
Foto. The paradise we made. Rui V.

um quarto de angústia...


Os olhos
Que a mim me olham
Não os olhos que eu vejo
Os olhos
Que a ti te olham
Não os olhos
Nunca os olhos
Que eu e tu olhamos
Os olhos
Os olhos que são mais que olhos
A alma?
Algo mais
Algo menos
Algo distante
Serão olhos
Será medo
Há uma corrente que lhe faz os olhos negros (cegos?)
Vento
Deve ser um cento
Um pranto
Um esperanto
São os meus olhos olhando
Os teus olhos escutando
Vento outra vez
Surripiando a porta…
Nuno Monteiro
Foto: Man behind chain - viesturs links

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A ode ao livro



Quando abrires…
Esse livro!
Esse magnífico maldito!
Esse teu livro aberto… esse teu presente…
E souberes ler (porque saberás ler! Saberás ler na face amiga e inimiga!)

Então – um eterno compasso de espera! Aproveita e respira!
Só então…
Conhecerás.
Ensandecerás?
Ou cuspirás no livro?

Porque se o fizeres…
Se cuspires no livro…
Os ratos
Esses tantos! … esses homenzinhos homens mesquinhos!
Terão ganho.

e


(um horizonte infindo negro sugar-te-á toda a humanidade e plantar-te-á de medo)
Nuno Monteiro

Botão de vida...


Sem ele, o mundo era menos um. Para aquele só soldado, a Terra tinha deixado de dar frutos. O Sol se punha e os olhos pediam perdão. Suas forças se redimiam encostadas ao travesseiro. A noite seria longa. Estrelada, sem luar.


O que mais o perturbava era o facto de não estar em nenhum lado. Via o Sol a sumir por debaixo duma linha que parecia não ter fim.


Ele se tinha esgueirado para um buraco bem fundo, bem longe de si. Era dele o casaco cheio de medalhas e de condcorações. Só ele e o abismo em que se afundou - a maldade do outro lado da linha nifinita.


Fugiu, escondeu, matou e se defendeu... A Alma não lhe soprava no peito.


A avenida era a cama que nunca teve. Mais confortável que a terra batida dos caminhos repisados pelos carros de combate. A folha de jornal fornecia-lhe o conhecimento... a folha de jornal não seria o sonho?... parecia-lhe impossível não haver um fruto dentro de si...


Em seus olhos as ruas permaneciam vazias silenciosas e intactas. Dir-se-ia que se conservara até ali... até à vida... até à linha infinita!


Bárbara Patrício

domingo, 18 de outubro de 2009

Melville


Hoje Ó mundo…

Apenas vazio…
Silêncio…
Ao som débil de uma cantiga

mundo que te escreves a ti com M (maiúscula)…

Baleia branca! E um grito perdido no nevoeiro!
Melville!!!
Capitão…

Sing! Sing! Sail! May god embrace you!

And bread again…


Branca de ódio e de pavor! o teu mist foi a tua viagem...


Nuno Monteiro

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Bertolt Brecht


"Não há pior analfabeto que o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. O analfabeto político é tão burro que se orgulha de o ser e, de peito feito, diz que detesta a política. Não sabe, o imbecil, que da sua ignorância política é que nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, desonesto, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo."

Bertolt Brecht (1898-1956)

domingo, 11 de outubro de 2009

A Terceira República



Sei dum barco e do seu capitão
E duma concórdia mansa
Do silencioso salitre
Como uma bomba cinzenta…
Sei dos olhos do capitão
Sorrisos de choro
Um enxame de corvos…

A mulher morta debruçava o altar e dedos trémulos abraçavam a santinha…

Sei do peso… da fome e dos sonhos!... em joelhos dobrados!
Sei da vida… essa podre insensatez!

Da pele gretada e do salgado no mar
Navegava às escuras por sobre um manto de estradas
Arengava as débeis mãos às estrelas
Que o nunca ouviam!

(o barco que não é um barco e o capitão decapitado numa imbecil trincheira)

O deserto tira a sede mas é a traição quem sepulta a bandeira…

Esmorecia a santinha por sobre a morte da mulher que se esticava ao altar

Ele!
Ele apenas queria incentivar as pequeninas luzes!
Nuno Monteiro
Imagem: Paula Rego - Three blind mice

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Vou contar o meu sonho...



Sempre que ao meu lado !comigo! convivem os saudáveis e os etéreos… num vagar de um tempo lasso… de um tempo quente e húmido… tal qual a música… tal qual o verbo… às vezes sozinho… outras vezes rodeado de cores… outras vezes (estas vezes as minhas preferidas) … instantes fugazes! tão próximo de ti! Ou em sussurro…quase em abstracção! Quase em agonia! No meio dum escuro… do abastado alabastro…


!O pobre menino pende na beira da ponte deitando suas lágrimas ao vento…!


Sempre que do meu interior vertem as lágrimas por ti derramadas… espera um pouco… conseguirei eu abstrair… não quero falar-te de poços nem de fétidos sorrisos! Não! Decididamente. Sempre que de mim se acerca um formigueiro que se não comporta como tal… sempre que de mim se acerca uma etérea e deletéria esperança… eu finjo sorrir-lhe… e por momentos sigo o meu caminho. Nesses instantes em que o meu tecido vivo quase te abraça!

A mãe sufragada de trabalho ainda tem que ouvir rugir esse incontrolável patronato…

E tudo porque dentro de mim eu sou apenas criança… e tudo porque dentro de mim há um instante apenas de sossego… tudo porque dentro de mim confluem todos os adamastores… e porque ao fim da estrada … ao fim da estrada… temo e fujo quando me encontro só… porque ao fim da noite… impulsivo e descontrolado… bocarra colada ao fundo vítreo da esterilidade… tudo porque ao fim do meu texto… tudo porque ao fim da esperança… para lá da música e da dança… enfim!


O vento secou as lágrimas e agora é o rapaz quem se alça ao vento.


... caminha indecente e seco por sobre um domínio de morte…
e diz a mãe! O meu mundo é este meu patrão! A minha vida é a minha produção! e isto Enquanto lhe arde o peito...


Para lá da musa dançarina… para lá dos caminhos e dos sorrisos escarninhos… se me não consigo ver liberto dos meus muitos adamastores… se bulem comigo os milagres de Cristo e se namoram comigo as coléricas malhas encarnadas de tuas unhas pintadas… porque acordo sobressaltado à vista dum enorme fragor…
Um baque surdo de duro mineral assinala o fim e o silêncio… as asas do homem têm tão efémera vista…


Porque:


A fábrica é uma pança gorda que tudo engorda e tudo trucida…
Porque:
A vida o abandonou e os sonhos que o não alertaram…

Então vamos ao sonho (parte dois) – um “aprés” desgraça


Um chão qualquer e uma vela cortando a imensidão da noite! Dois ou três pomos de laranja espalhados aqui e além… paredes de pedra num montado tosco! As tuas pernas prenhes e grávidas… uma camisola de lã que te esconde o leite… túrgidos mamilos eleitos entre cúmulos – pendida sem peso entre nimbos e limbos – invente-se pátria já! Invente-se dor de parto! Já!
Descubra-se a volta do tempo ou passe-se para lá do tempo… numa outra paris… fume-se nova arremetida!
A tosse da mãe é de tuberculose é de pulmão é enfim… de escarro… a tosse da morte é da cama duma pobre pátria … corujas e abutres… ela! Pele calejada e um saco de mar em vez da face…
Quero uma cantiga e a vela pequenina luz etérea marcando a tua presença! Não quero estar sozinho… não quero ficar sozinho… não quero casas de acolhimento… não posso dizer sim! não posso dizer não… posso gritar mas nunca voarei… sei que nunca conseguirei partir os muros…
Pessoas tão penteadas inventam passeios saltitando entre olhares e
Salpicos de renda numa melopeia de pele – pintadas unhas de pés erectos enquanto os olhos…
Por trás das lentes por trás das mentiras…
Centopeias de faltas e de cobardias!


Mas tu! Porém tu! em teu útero inteiro e intacto – delgada e fina pêra de novos vivos pequeninos passarinhos…
E tu! então tu! podes contra a faca que corta a morte – podes semear novos olhares e novos povos! Podes ser mãe e guerrilheira! As duas montanhas do mundo – da tua poesia quem sabe não viverá novo reino! Da tua poesia um novo reino…

!Que engula a morte que erradique a pobreza que seja Nobel…!
Nuno Monteiro
Imagem - O sonho - Pablo Picasso

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Better Man - Pearl Jam

mais elementos mais


afinal sempre chegou...

"a minha será sempre uma face de belo e uma face de horrível, a minha luz será sempre uma luz que cerca e sufoca..." ou não seria a minha face!ou não seria a minha luz!
quem vês não sou eu, é quem eu deixo ver, quem eu deixo parecer que sou. só sou eu no meu ninho, nos meus voos de ave liberta e libertadora, o que vês é tão-só uma sombra da ave, presa e predadora...
sem luz não se me abrem as asas

sem luz não se me abrem horizontes

sem luz sou ave de rapina

sou abutre
com luz

...

gaivota

...
muitas vezes eu não sou eu, sou outras... numa unidade que é dualidade.
"ao fim da estrada é a mim quem vês banhada em lágrimas"... lágrimas de alegria porque cheguei ao fim da estrada.


A negra e escura estrada que é o ermo lodoso onde me deixo deslizar durante todos os dias moles de purgatório e de penas.


Mas hei-de chegar, definitivamente, ao fim!!! E nesse dia, serei gaivota eternamente livre.


Dina Cruz

domingo, 4 de outubro de 2009

O que é a literatura?


«¿Entonces qué es una escritura de calidad? Pues lo que siempre ha sido: saber meter la cabeza en lo oscuro, saber saltar al vacío, saber que la literatura básicamente es un oficio peligroso. Correr por el borde del precipicio: a un lado el abismo sin fondo y al otro lado las caras que uno quiere, las sonrientes caras que uno quiere, y los libros, y los amigos, y la comida. Y aceptar esa evidencia aunque a veces nos pese más que la losa que cubre los restos de todos los escritores muertos. La literatura, como diría una folclórica andaluza, es un peligro.»


sábado, 3 de outubro de 2009

A Abóbora menina



Tão gentil de distante, tão macia aos olhos

vacuda, gordinha,

de segredos bem escondidos

estende-se à distância

procurando ser terra

quem sabe possa

acontecer o milagre:

folhinhas verdes

flor amarela

ventre redondo

depois é só esperar

nela desaguam todos os rapazes.


In Ritos de Passagem, 1985


sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A República


(...)
Ferido de morte, um revolucionário civil agonizava na rua, junto a um prédio do Rossio, a praça principal de Lisboa. Estava só, sabia que não tinha qualquer possibilidade de salvação, nenhuma ambulância se atreveria a ir recolhê-lo, pois o tiroteio cruzado impedia a chegada de socorros. Então esse homem humilde, cujo nome, que eu saiba, a história não registou, com uns dedos que tremiam, quase desfalecido, traçou na parede, conforme pôde, com o seu próprio sangue, com o sangue que lhe corria dos ferimentos, estas palavras: “Viva a república”. Escreveu república e morreu, e foi o mesmo que tivesse escrito: esperança, futuro, paz.
(...)


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas