quinta-feira, 29 de julho de 2010

Anita


Eu vi que era Anita quando repuxava aquele papagaio e o fazia dentro de um vento que a ameaçava levar, pequena magia, a dos caracóis exuberantes… flutuando ou dançando naquele mar de trigo.
pois por que lhe chamas anita che? Se cá não conheço moça alguma que tenha esse nome…
Não sei, brincava com os papagaios, dava sempre mais alento às mesmas cores, talvez a tenha associado ao país das maravilhas, não sei, os vestidos folheados, coloridos, muito brancos e cheios de sol…
Conta-me mais, como é essa anita?
Olha… é toda ela muito senhorita, imagina a idolatria do gato, que surge, contraluz, por detrás dum cortinado. E aninha e fica à espreita. É como os olhos dos gatos, umas vezes tristes, outras vezes abrem num sorriso - Ora mas que bela moça!, dir-se-ia que ainda agora acabou de se aquecer na praia…
O mais estranho é que ela desconhece a vida! E eu acho que essa faceta é fortíssima, especialmente se eu te asseverar que a desconhece de propósito, ou melhor, deixa lá ver se te consigo explicar isto convenientemente, ela conhece tanto da vida que dá a ideia que a desconhece, por exemplo, ela sabe que quando agita o papagaio levantado ao vento, obriga todo o mundo a sorrir… obriga o vento a concordar com ela…
Che, assim não há quem te entenda…
Olha, sabes do que estamos aqui a falar? o que eu quero dizer, é que há simples gestos que endireitam o mundo porque falcatruam no âmago do homem… o papagaio é um desses momentos…
Não a estarás a confundir, não quererás uma mulher de livro… isso não sei, che! Sei apenas o que vi, e o que eu vi foi uma planície a perder de vista que era como um chão grande, e um sol chuvoso, batido a vento e ela, Alice, aos piparotes, semelhante a algodão doce… E mais a mais! Sei lá eu o que é isso de uma mulher de livro. Pois se eu em vida ainda não li um que fosse…
Ora, de que estás à espera, que a convides para as festas, que não tardam aí chegam, e pra que servem senão para isso…
E continuaram verão fora, resguardados do calor numa qualquer sombrita, entremeando o trabalho com a vida, e ora um contava da Alice ora o outro contava de Clara. Pois assim fora com os pais antes deles, e com os pais dos pais antes deles. A santa madre Igreja os velava. Porque, bem sabiam ambos, que se inventou a igreja para abençoar o trabalho e casá-lo com as pequenas moças, de pés de cetim e olhos castanhos de regalo…

Nuno Monteiro

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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