sexta-feira, 23 de julho de 2010

Dezasseis almas


É tão fácil saber o que te terá acontecido! Oh isso dizes tu e volta-lhe as costas e sai de ao pé dele… pensa mais, dá conta de que foi rude, volta, julgamo-la arrependida… podes perguntar a quem quiseres. Ninguém te dirá. Ainda não há cá quem confie em ti… vives muito ao longe, observas mas de muito alto, e embora penses que cá tenhas passado o inverno… Isso não é quase nada… precisas muito mais . Diz ele, quem é o teu pai? Oh nem isso sabes! Para que foi aquilo lá em cima na cordilheira… quem julgas tu que queres impressionar? E uma vez mais o sorriso estampado na face, ela que não dá conta mas ele, esse sorriso dela lá está. Agora sim ela julga que está na hora e volta costas e sai disparada…
O escritor dizia lá para ele, já não consigo voltar as costas à aldeia. Agora sou parte deste mundo, partilho das dores e quando se meteu a pensar deu com o seguinte Susana é a única moça jovem por estas bandas… ainda não vi ninguém mais jovem que ela. E estas vozes que são presença assídua… serão de cá de dentro ou elas viverão mesmo cá na aldeia…
Todas juntas, as vozes diziam, cá na terra serás bem vindo, cá na terra serás bem vindo. E ele sabia que sim. Assim a conquistasse. Não à terra embora também à terra, bem, com a terra não se preocuparia pois assentara arraiais e isso lhe bastaria. Como era primavera, foi à venda e mandou que lhe vendessem sementes. Daria início a uma plantação.
Bom dia minha senhora! Era um quartilho de sementes de cebolas, tomates, feijões e assim… vou metê-las à terra e esperar que dêem… a mulher, agradavelmente bem disposta, condição assaz arredia daquelas paragens diz, faz muito bem, meu caro senhor, que nunca deveremos deixar estragar a terra e de seguida também ela para que foram aqueles sinais e logo de seguida com uma afectuosidade especial, que nós cá em baixo até pensamos que fosse nosso senhor. O resto da conversa foi sobre a terra e a sementeira. A velha havia ficado genuinamente bem impressionada com o forasteiro de quem, certíssimo, já ouvira falar. E sobre quem, obviamente, já falara.
Chegado a casa deixou a porta aberta e sentou-se à escrivaninha. Pegou no lápis e ficou longamente parado, à espera que algum rumo o sugerisse. Nada. Só a cordilheira o chamava. Ainda pensou em dar uma achega ao moleiro a perguntar pela Susana. Ao invés, seis da tarde, foi o sono quem o venceu. Nem a porta fechou. Dali a uma hora, sonhava, surgia-lhe uma cordilheira em forma de caveira que gritava para os da aldeia… todos daí para fora até ao final do Verão, todos daí embora até finais de verão. E de resto, até nem seria difícil uma vez que a vila, bem contabilizados todos os viventes não dariam mais que dezasseis almas. E nem uma igreja.
Nuno Monteiro

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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