segunda-feira, 5 de julho de 2010

As pétalas envelhecidas

As pétalas envelhecidas

Bem me quer, mal me quer. Rugas, plásticos e cabelos vazios. Junça que me empolga as pernas e,
A minha praia sem ninguém, a não ser as impetuosas bailarinas que grasnam incessantemente.
No quarto de hotel, um silêncio amedrontador. Clara está sozinha, sente-se mal, uma terrível indisposição tolhe-a e quase a eclipsa. Gritaria quase sem forças… todas as idades do mundo! Todas as incompreensões do mundo! Todas as interjeições! A porta do lado nascente, do oceano, fechada, impede a chegada do murmúrio fresco… ao fogão, a panela cozerá a sopa de ervilhas. Abrirá as páginas de um livro que a magoará! Sulcará ao longo de cabelos que não serão nunca os dela! Obrigará, dançando à lua, algum estranho a abraçar-se ao seu colo! Regará jardins de fruta e de temperos… obliterará da visão as praias nuas e vazias do inverno! Rasgará dalgures o quadro inteiro, (laudatório, esse vento) belicoso como ela.
Mas mesmo sem forças, Clara nunca se deixará cegar ou engordar. Desliga a panela do lume e afoga-se no sono. Na manhã seguinte, os mesmos pratos de plástico, servidos aos molhos, por sobre um jardim. E uma sombra perfumada, atraente, a bergamota…

Nuno Monteiro

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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