segunda-feira, 6 de outubro de 2008

3 poemas - Jorge Luis Borges



O sul
De um dos pátios ter olhado as antigas estrelas, do banco da sombra ter olhado essas luzes dispersas que minha ignorância não aprendeu a nomear nem a ordenar em constelações, ter sentido o círculo da água na secreta cisterna, o odor do jasmim e da madressilva, o silêncio do pássaro adormecido, o arco do saguão, a humidade-essas coisas são, talvez, o poema.

Limites

Há uma linha de Verlaine que tornarei a recordar, Há uma rua próxima que está vedada a meus passos, Há um espelho que me viu pela última vez, Há uma porta que fechei até o fim do mundo.
Entre os livros da minha biblioteca (estou vendo-os) Há algum que já nunca abrirei.
Este ano completarei cinquenta anos; A morte me desgasta, incessante.

Os justos

Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire. O que agradece que na terra haja música. O que descobre com prazer uma etimologia. Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez. O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade. Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram. O que agradece que na terra haja Stevenson. O que prefere que os outros tenham razão. Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo

Jorge Luís Borges

Sem comentários:

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas

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