Fazemos das nossas vidas uma realidade aviltante. E nas costas retortas dos outros que deambulam diante de mim eu vejo o peso de toda a humilhação que nos sacrifica. Nos olhos dos meus alunos eu vejo o vazio criado e instalado, eu vejo um grito e um pedido. E o grito grita por socorro. Porque faltam âncoras, faltam melodias, falta literatura, falta poesia. Falta poesia na vida de todos eles. Na minha talvez também, da dos alunos e dos adultos. Dos adultos e dos corcundas acabrunhados que se arrastam e se atiram ao rio. Como se grassasse um vírus que nos mostra com crueza extraordinária e um vislumbre de crueldade de que matéria imperfeita somos feitos. Nascemos para sofrer quando esta vida deveria ser integralmente devotada à consagração. E hoje como ontem, como desde sempre vivemos vidas de uma realidade aviltante.
Se assim não fosse teriam os poetas que escrever para eles próprios? Onde param as fogueiras da consagração dos feitos e dos heróis? Por que morrem os heróis? Por quem morreram eles? Vão faltando flores nos campos, extinguiram-se os grandes espaços, calaram-se as grandes batalhas. Emudeceram os pensadores, acobardaram-se os partidos porque se instrumentalizaram as pessoas. Como conseguirá um viver as vidas dos outros todos. Eu sou diferente de ti. Onde repousa o meu cantinho? Quando terei finalmente tempo para ouvir a minha música?
Por isso grito que há um sentido de avilte em tudo o que somos. Avilte nas conversas iguais como labirínticos murmúrios murmurados, avilte e ultraje nos muros que erguemos perante a diferença, avilte nas expressões de desabafo e nos gestos de descrença, vergonha no olhar do outro, indefesos perante a ameaça, enrolados por uma massa gigantesca que nos comprime e formata, e toda a inveja e toda a cobardia que nos assiste. Tão iguais como descendentes de um mesmo credo. O credo da redução, o credo da vã glória, o credo da vileza, da devassa, da delação. E daí a insatisfação. Daí a nossa falta de coragem. A nossa rarefacção. Daí as vidinhas comedidas e ei-los feitos exércitos certinhos dispostos seguindo a maioria, os votos da maioria, a falta de ideais como matiz colorida, a falta de sonho que não é bola colorida, a insurreição perante as letras, perante o poeta, perante o inútil.
A falta de âncoras é gritante. A falta de tempo que as cria preocupante. A falta de interesse é o mal maior. A mesma falta de interesse que não lê livros, que não liga, que de insensibilidade em insensatez, se afunda no rio ou no poço ou na faca com que corta os punhos. O muro de silêncio que vamos construindo e que nos impede a comunicação. A falta de sentido de verdade, a falta de verdades absolutas, a falta de cultura. A falta de treino e o entorpecimento. As vontades materiais, o aqui e o agora, o tom imperativo e a queda à mínima contrariedade. Sem a perfeita noção do quão pequenino sou. O egocentrismo no centro do nosso espaço. Especialistas ignorantes ou absolutos desempregados. De uma forma ou de outra incompletos. Um exército disciplinado de incapacitados funcionais.
E agora a ti, a ti que foste feito como eu, a ti que te acomodas, a ti que dentro das comodidades do arranha-céus, a ti dependente e que escarras a face dos drogados, quando perceberás que eles são a outra face da tua mesma moeda?
Nuno Monteiro
Se assim não fosse teriam os poetas que escrever para eles próprios? Onde param as fogueiras da consagração dos feitos e dos heróis? Por que morrem os heróis? Por quem morreram eles? Vão faltando flores nos campos, extinguiram-se os grandes espaços, calaram-se as grandes batalhas. Emudeceram os pensadores, acobardaram-se os partidos porque se instrumentalizaram as pessoas. Como conseguirá um viver as vidas dos outros todos. Eu sou diferente de ti. Onde repousa o meu cantinho? Quando terei finalmente tempo para ouvir a minha música?
Por isso grito que há um sentido de avilte em tudo o que somos. Avilte nas conversas iguais como labirínticos murmúrios murmurados, avilte e ultraje nos muros que erguemos perante a diferença, avilte nas expressões de desabafo e nos gestos de descrença, vergonha no olhar do outro, indefesos perante a ameaça, enrolados por uma massa gigantesca que nos comprime e formata, e toda a inveja e toda a cobardia que nos assiste. Tão iguais como descendentes de um mesmo credo. O credo da redução, o credo da vã glória, o credo da vileza, da devassa, da delação. E daí a insatisfação. Daí a nossa falta de coragem. A nossa rarefacção. Daí as vidinhas comedidas e ei-los feitos exércitos certinhos dispostos seguindo a maioria, os votos da maioria, a falta de ideais como matiz colorida, a falta de sonho que não é bola colorida, a insurreição perante as letras, perante o poeta, perante o inútil.
A falta de âncoras é gritante. A falta de tempo que as cria preocupante. A falta de interesse é o mal maior. A mesma falta de interesse que não lê livros, que não liga, que de insensibilidade em insensatez, se afunda no rio ou no poço ou na faca com que corta os punhos. O muro de silêncio que vamos construindo e que nos impede a comunicação. A falta de sentido de verdade, a falta de verdades absolutas, a falta de cultura. A falta de treino e o entorpecimento. As vontades materiais, o aqui e o agora, o tom imperativo e a queda à mínima contrariedade. Sem a perfeita noção do quão pequenino sou. O egocentrismo no centro do nosso espaço. Especialistas ignorantes ou absolutos desempregados. De uma forma ou de outra incompletos. Um exército disciplinado de incapacitados funcionais.
E agora a ti, a ti que foste feito como eu, a ti que te acomodas, a ti que dentro das comodidades do arranha-céus, a ti dependente e que escarras a face dos drogados, quando perceberás que eles são a outra face da tua mesma moeda?
Nuno Monteiro
2 comentários:
Olá Nuno... tens razão, realmente vivemos já num mundo muito assim como descreves... mas não me conformo com isso e, na minha pequenez, procuro fazer a diferença... nas histórias que escrevo para as nossas crianças, que podem ainda salvar-nos desse mu do que descreves, ao escrever posts como o que escrevi, ao querer acreditar que o vídeo com aquele menino ainda é possivel ser verdade... o mais irónico disto tudo, é que tudo isso está nas nossas mãos, nas minhas e nas tuas... não podemos nunca é perder a esperança e a vontade de mudar! Abraço,
Sónia
Hoje... tento ser o Deus de Mim mesmo, ñ quero mudar o mundo... já ñ quero nada disso... quero ser melhor... só isso... melhor...
Enviar um comentário