terça-feira, 21 de outubro de 2008

Lord Byron - My soul is dark (estrofe um)

Apelidá-lo de Romântico puro seria quase demagógico por se rotular um homem cuja vivência e consciência político-sociais foram demasiado exacerbadas para o seu tempo. Ainda assim, ‘exacerbada’ não é o adjectivo ideal (dir-se-ia talvez de um Alencar queirosiano, ou, mutatis mutandi, de um João da Ega ‘trovejador’), mas será talvez o adjectivo mais fiel, pelo menos, à sua escrita.
Lord Byron, ele mesmo.
Não me apraz fazer uma análise extensiva deste seu poema, assaz merecedor de tal, mas não nego que me assolou, en passant, a vontade de dele fazer uma (talvez pretensa) anatomia, pelo menos, de acordo com o que o perpassa na oblíqua.

Tentativa de definição de ‘poesia’, é o facto de o sujeito poético o encetar na primeira pessoa (‘I’ – ‘eu’) que instaura, a priori, um pendor centralizado num ‘ego’ (freudiano, avant la lettre,) que extravasa na sua tentativa de definição de poesia. Curiosamente, e daí advém o egotismo tipicamente romântico (e inglês!), é a posposição de um verbo semi-modal e um advérbio de tempo (com uma modalidade epistémica de certeza), ‘can never’, que remete para a posse da verdade (sobre a poesia) da parte deste sujeito poético (ou até mesmo do próprio Byron), posse essa que não parece ser recebida e compreendida pelos restantes comuns mortais.
Ainda assim, insurge-se contra essa barreira de comunicação com os seus interlocutores incautos e ingénuos e tenta uma vez mais.
Podemos resumir essa tentativa a uma figura clássica da retórica, sempre inflamadora de marasmos e de uma paz superficial – a gradação.
Ora, eis a tricotomia que enforma essa gradação: ‘Passion’, ‘earthquake’, ‘fever’. É curioso notar que, do ponto de vista filosófico, nenhuma regra parece preterida, pois não se inclui o definido na definição. Antes se serve de uma estratégia, grosso modo, paradoxal: dar não uma, mas três definições e todas elas através de nomes abstractos / abstracções, o que não particulariza, antes generaliza e faz irromper um grau ainda menos coloquial de ‘dicionarização’ do conceito pioneiro, a poesia.
A verdade é que a sua estratégia é sintomática de algum elitismo e, ainda que a opacidade a consiga vedar a olhos leigos, é indubitável que acrescenta uma cosmovisão que se adequa a essa vivência tão intensa e desarrazoada dos sentimentos, por parte dos escritores Pré-Românticos e Românticos, à maneira de um Werther ou de um movimento ‘Sturm und Drang’ alemão.
Assim, à criação literária poética Lord Byron faz subjazer um sentir desenfreado, um constante terramoto de emoções e uma febre, tao bem conhecida como doença de amor. Na verdade, já a Lírica Trovadoresca tratava da ‘morte de amor’ por exposição a uma ausência constante do amado, e não é por acaso que o Romantismo bebe muitos dos seus pressupostos em Literatura em crenças medievais. Por isso, para percebermos a verdadeira acepção do ‘sentir poesia’, teremos de ser impreterivelmente leitores avisados e experientes. Só esses perceberão, por exemplo, o alcance da expressão ‘continuous earthquake’, oxímoro parafraseável do seguinte modo: Se um terramoto é um movimento circunscrito e limitado temporalmente, antepondo-lhe o adjectivo ‘contínuo’ estamos a conferir-lhe um carácter ainda mais doloroso e violento. É isso, estimados leitores, que melhor define o sentimento da poesia dentro de cada um de nós, aqueles que têm vontade de a extravasar – um estado permanente que, por ser contínuo,
a) nos faz querer, à medida de um Álvaro de Campos, ‘sentir tudo de todas as maneiras’;
b) nos faz sofrer a dor de um parto literário tão difícil e custoso, só recompensado quando vitorioso, finalmente metamorfoseado em palavras e textos.
Em suma, não será esta tentativa de definição de poesia uma tentativa mais abrangente e velada de definição da própria escrita? Fica, por agora, a interrogação, que a Retórica se encarregará de fazer agitar nas mentes de todos os que ‘ever shave themselves in such a state’...
Marina Rocha

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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