domingo, 28 de dezembro de 2008

Feliz ano novo para a minha pátria em trevas


Feliz ano, este ano, para ti, para todos
os homens e terras, ó amada Araucania.
Entre ti e a minha existência há esta noite nova
que nos separa, e bosques e rios e caminhos.
Mas para ti, ó minha pequena pátria,
o meu coração galopa como um cavalo sombrio:
entro nos teus desertos de pura geografia,
atravesso os vales verdes onde a uva acumula
seus verdes álcoois, o mar dos seus cachos.
Entro nas tuas aldeias de jardins fechados,
brancas como camélias, no acre
odor dos teus celeiros, e penetro
como um tronco na água dos rios que
estremecem,
trepidam e cantam com lábios derramados.

Lembro-me de que, nos caminhos, talvez por esta
época,
ou melhor, no Outono, sobre as casas deixam
as espigas douradas do milho a secar,
e quantas vezes me senti como um menino
extasiado
ao ver o ouro nos telhados dos pobres

Abraço-te, devo agora
voltar ao meu esconderijo. Abraço-te
sem te conhecer: diz-me quem és, reconheces
a minha voz no coro do que está a nascer?
No meio de tudo o que te rodeia, não ouves
a minha voz, não sentes como o meu timbre te
envolve,
jorrando como água natural da terra?

Sou eu que abraço toda a doce superfície,
a cintura florida da minha pátria e te chamo
para falarmos, quando se extinguir a alegria,
e te oferecer esta hora como uma flor fechada.
Feliz ano novo para a minha pátria em trevas.
Vamos juntos, o mundo está coroado de trigo,
o alto céu corre, desliza e parte
as suas altas pedras puras contra a noite: a nova
taça encheu-se apenas com um minuto
que há-de juntar-se ao rio do tempo que nos leva.
Este tempo, esta taça, esta terra são teus:
conquista-os e escuta o nascimento da aurora

Pablo Neruda – Coral de ano novo para a pátria em trevas, capítulo XIII, Canto Geral com tradução de Albano Martins

sábado, 27 de dezembro de 2008

Namoro - Viriato da Cruz


Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seu seios laranjas - laranjas do Loge
seus dentes... - marfim...

Mandei-lhe uma carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o Maninjo tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO

E ela o canto do NÃO dobrou.

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.

Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbado, sujo, e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
" - Não viu...(ai, não viu...?) Não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

E para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário

Tocaram uma rumba dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim!"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.

(No reino de Caliban II - antologia
panorâmica de poesia africana de ex-
pressão portuguesa)

A morte da água - Ruy Belo



Um dos passeios que mais gosto de dar é ir a Esposende ver desaguar o Cávado. Existe lá um bar apropriado para isso. Um rio é a infância da água. As margens, o leito, tudo a protege. Na foz é que há a aventura do mar largo. Acabou-se qualquer possível árvore genealógica, visível no anel do dedo. Acabou-se mesmo qualquer passado. É o convívio com a distância, com o incomensurável. É o anonimato. E a todo o momento há água que se lança nessa aventura. Adeus margens verdejantes, adeus pontes, adeus peixes conhecidos. Agora é o mar salgado, a aventura sem retorno, nem mesmo na maré cheia. E é em Esposende que eu gosto de assistir, durante horas, a troco de uma imperial, à morte de um rio que envelheceu a romper pedras e plantas, que lutou, que torneou obstáculos. Impossível voltar atrás. Agora é a morte. Ou a vida.

Ruy Belo

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

POema - Mário Cesariny


Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é o seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Mário Cesariny, Uma Grande Razão, edição da Assírio e Alvim

Vida é mesmo assim - José Craveirinha


Em dia de reclusos
Pela Maria e filhos passa um carro.
Um filho diz – Mamã
Vai ali um amigo do papá
Ele viu-nos e virou a cara.

E a Maria apenas disse – É a vida meus filhos.
Vocês hão-de ver. Quando o vosso pai sair
Todos esses vão ser amigos dele outra vez.
A vida, meus filhos é mesmo assim…

José Craveirinha in Maria, edição Círculo de Leitores

Cão como Nós - Manuel Alegre

Como nós eras altivo
fiel mas como nós
desobediente.
Gostavas de estar connosco a sós
mas não cativo
e sempre presente – ausente
como nós.
Cão que não querias
Ser cão
E não lambias
a mão
e não respondias
à voz.
Cão
Como nós.

Manuel Alegre, numa edição Planeta de Agostini

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

2 poemas


Infinito…
Imenso…
Azul…
O mar!

Infinito azul de frescor e vida…
Infinito azul de imensidão e revolta…
Azul, azul, azul…

Esconderijo secreto de mistérios insondáveis
Habitáculo de escuridão e vazio
Berço de poemas e canções
Túmulo de viajantes e marinheiros
Destino de longínquas paragens
O mar!

Azul, azul, azul…
Imenso
Infinito
O mar!

Do ventre da terra
Nascem dias cinzentos
De escuridão e ausência
Solta-se o negro das almas
E escorrem,
Das mãos,
Os ódios e raivas do passado

É manhã!
E do cume dos montes
Resvala uma luz tépida e mole
De pretenso viço

Nada cresce
Na aridez dos penhascos
Nada vive
Na solidão do monte
Nada se ilumina
A solidão dos homens
Nada permanece
Na podridão dos dias!

Tudo perece…
Tudo fenece

Dina Cruz

Borboleta errante

Do meu quarto olho ao longe e vejo-te ternura
abro as janelas de par em par
e deixo que entrem, deixo que me absorvam
absorvo intrépido o ar da manhã
e desço as pálpebras até me encontrar comigo

E então, então são as tágides
são as sereias
é o sonho
então só então sou marinheiro no teu mar interior

então só então entro sem bater
olho sem incomodar
trinco e aperto como se toda a minha vida
fosse depender do momento
fosse viver desse sentido
fosse alcançar as estrelas
os altos pináculos
onde tu vives
onde tu te ris

abro os olhos de par em par
e lá está a montanha
lá está a terra
lá estás tu alegórica poesia
lá estás tu amizade eterna
lá estás tu borboleta errante

Nuno Monteiro

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Capelo de andanças


Lá ao longe…ainda ao fim do mar…enquanto esfrego os olhos … nevoeiro baixo e um frio que me entorpece. Tu, só tu, estarás para sempre comigo. O mar é um capelo de andanças. Eu sou tão pouco pecador. E tu, só tu, sacas das tuas armas e envolves-me suavemente. Se por um momento apenas pudéssemos conhecer o sabor das castanhas dessa Lisboa antiga. Se por um instante apenas…lá ao longe…no fim do mar. Para quem terei eu nascido?
Lá ao longe entre a neblina aquela és tu. Aquela canhoeira de projécteis vazios e infundados. A cabeleira tão preta da enfermeira que me tirou sangue hoje de manhã. Que frio dormia do meu lado da cama. Que buraco de inconstância. Que sede de poder. E que sorriso o teu. Se por um momento só outros pudessem ver de que forma tu fumas o teu cigarro. E como curtes as tuas zangas.
Lá ao longe entre a neblina de trovoada, aquela és tu. Minha inveja. A minha caudalosa torrente, a minha infame lâmina, a minha cantiga tão piedosa. Não há ninguém maior que tu. Como, com tempo de chuva te podes despir e dançar, te podes esconder e adormecer, como, em tempo de sol és capaz de voar, vaga e etérea sobre os campos de trigo e as florestas de carvalhos. Como, em tempo sem tempo és capaz de fumar. Como, em tempo de inconstância, poderás caminhar navegando, poderás ser alva errante, conseguirás ser tornado e redemoinho.
Lá longe…ainda ao fim do mar…ainda e sempre a fronteira do mar, tu sem seres tu, tu nunca aqui, tu sempre numa eternidade maior que a minha. Pois fica aqui escrito entre nós…não te deixarei morrer…farei voar esses teus cabelos de fogo…impregnarei este papel do teu cheiro…de cada vez que te irritas, quando pedes um café curto…que fronteira intransponível, que vida melodiosa, que vaga de calor quando colas tua cara à minha.
Aqui ao perto nós os dois na mesma sala sentados no mesmo sofá olhando os mesmos avisos partilhando os mesmos momentos. Enquanto fada encantada…tudo o que fica por dizer… o céu azul e a fronteira da terra. Uma Terra com o teu nome. Um lugar do teu feitio. Só que te não conheço. Esse lugar do demónio. E eu habito em todos os lugares. Esqueci-me da terra com o teu nome. Regá-la-ei. Arregalar-me-ei!
Aqui ao perto o mesmo livro aberto. A mesma folha a mesmíssima palavra. Aqui tão perto a palavra e o encanto. A beleza lírica que és tu. Que sempre foste tu. Aqui sentada ao meu lado a poesia. Nas tuas pernas de mulher. Pousada nas tuas coxas de saudade. Olhamos o mesmo livro aberto. Ouvimos a mesma melodia feita de intriga. Iguais. Que buraco de serenidade. Que cruel narrativa. Que sucessão de opressões.
Aqui ao perto a mesma lápide tumular. A mesma macieira. Dois ou três campos de trigo. Desavindos presos a um quadro minimalista. Encarcerados, um no outro, esperando o fogo lânguido da lareira. Engalfinhados e endemoninhados. Haverá quem mais me irrite? Haverá quem mais me contente? Poderá algum dia ser de outra forma? Até quando as questões? Não te deixarei partir nunca. Por isso lá longe não existe. Só o mar. Só a neblina onde és sereia. Só a terra onde és chuva. Só tu. Só tu. Arregalar-me-ei!


Nuno Monteiro

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

As palavras


São como cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

As minhas saudades



Ontem visitei o meu antigo auditório. O local onde há tanto tempo eu não entrava. O local parado no tempo como se estivesse à minha espera. Parado etéreo dir-se-ia à minha espera. Como se alguém por mim esperasse. Um auditório. Um local onde entrei para tantas aulas com tantos professores. Ontem quando lá entrei foi como se estremecesse. Foi como se submergisse. Embargou-se-me a visão e toldaram-se-me os sentidos. Senti-me transportado para os meus dezoito anos recordando tudo quanto lá tinha vivido. Todos os bons momentos. Outros maus também. Senti-me como se toda a visão desta que é a nossa vida passasse diante de mim num frémito de paixão. E então lá estava o meu professor. Lá estavam os meus companheiros. Os meus camaradas. Os meus camaradas que se evaporaram na voragem desta vida. Para vós este texto. Para vós esta mensagem. Para vós estive eu ontem no auditório. Parecia que poderia respirar por vós. Parecia que conseguia ver pelos olhos que são os vossos. E subia e descia a escadaria arfando de saudade e de dor. Porque a minha saudade é feita de dor. Porque todos desapareceram. Porque vocês desapareceram. Ficaram apenas as paredes cruas e descarnadas do auditório. Ficaram as recordações. O que seria do homem sem recordações? A certa altura não consegui reprimir um soluço. Não consegui deglutir tanta emoção e então sentei e deitei a cabeça entre as mãos. E ouvi. E então em surdina sorria do colega que olhava o professor sem que o percebesse. Sorri ao combinar de novo os bares após os exames. Sorri ainda mais ao professar de novo todas aquelas nossas noites. Sorri do que tenho cá dentro. Sorri ao voltar atrás no tempo. Quão bom é voltar atrás no tempo.
Cheguei ao auditório sem vontade própria. Fui para lá levado. E quanto agradeço! Como ficarei agradecido a quem me lá levou. Como estou agradecido a quem lá me levou. Ao meu antigo auditório. Ao meu antigo ambiente de penumbra onde com dezanove anos todos sonhavam uma vida em grande. Recambolesca. O império em vida. A mão que tudo abarca. O ego gigante que não tem fronteiras. O império não conhecia limites então. Eu, com vinte anos.
Depois dei por mim no lugar dos professores mirando as carteiras vazias. Carteiras vazias mas para mim fervilhando de gente. Um barulho em surdina percorria todo aquele espaço. As vozes que eu tenho cá dentro. Tantas. Tão ruidosas. E então de mim para mim. Eu somente. E para mim ouvi a Patrícia, o Gil, o Marco, o Filipe, a Sandra, o Joe, a Catarina. Tantas vozes de todos os nomes que deixaram de falar comigo. Todos os nomes de todos os meus colegas. Todos os que a vida separou. Todos os que a voragem diária que nos consome terá incendiado. Não sei se os tornarei a ver. Escreverei até os reencontrar. É isso. Escreverei até que um deles leia e procure os outros. Escreverei sem parar até os encontrar de novo. E tornarei a escrever até que a escrita e as palavras sejam maiores que eu. Até que o auditório de novo os chame. Até que todos sejam convocados. E só então descansarei. Então, só então, simularemos um exame, tremeremos dos pés à cabeça, soltaremos brados ébrios tal qual antigamente e combinaremos uma nova noite, uma destas noites como se das nossas antigas noites se tratasse. E percorrê-la-emos ufanando poesia. Afinal de contas que é a nossa vida senão poesia. E reencontro. E música. As músicas que então ouvíamos. Não acredito em mais senão no que aqui deixei escrito.

Nuno Monteiro

A grande alegria


...
Não escrevo para ficar prisioneiro de outros livros,
Nem para esforçados aprendizes de lírios,
Mas para simples habitantes que pedem
A água e a lua, elementos da ordem imutável,
Escolas, pão e vinho, guitarras e ferramentas.

Escrevo para o povo, ainda que este não possa
Ler a minha poesia com seus olhos rurais.
Virá o momento em que uma linha, 0o vento
Que sacudiu a minha vida chegará aos seus
ouvidos,
E então o camponês levantará os olhos,
O mineiro sorrirá ao partir a pedra,
O fogueiro limpará a fronte,
O pescador verá melhor o brilho
Do peixe que, palpitando, lhe queimará as
Mãos,
O mecânico, limpo, todo ele lavado de fresco,
Cheirando ao sabão, olhará os meus poemas,
E eles dirão talvez: “Era um camarada.”

Isso me basta, é essa a coroa que pretendo.

Pablo Neruda in O Canto Geral do Chile

Palavras da lenha

Soturno mirra elegia escarlate da cor maça
Verdes azeitonas como teus olhos dançantes
Vales férteis campos de trigo onde te enleias
Das minhas povoadas e eternas extravagantes aldeias a meia encosta

Das minhas eternas relíquias que como pequeninos deuses
Pululam a terra mediando entre o nascimento
Pululam como se a povoassem esquecendo de esquecer
Dos montes e das pedras das aldeias da meia encosta

Olha o velho que de manhã se alegra à vista do orvalho
Rende a guarda que de noite se acotovela para lhe dar de comer
Atira a matar se lhe atiçam os cães
Olha o engenho que manda antes e mais que a razão

Da cor da maçã que como verdes azeitonas vertem o sangue que o aquece e ruboriza
E lhe dão alvíssaras pelo quanto velho carreiro e das manhãs em que se levantou
Rachando a terra e exsudando a lenha
Aquecendo e vertendo lágrimas
Alvíssaras então à aldeia e ao homem ao velho e à guarida
Cabana, modo, sentido, alvo, ácido, terra, bolotas.

Nuno Monteiro

Mirra incenso e torga

Como me lembro de como te orgulhaste dos cabelos em fogo
Quão longe estavas do teu ideal de beleza
Como me lembro de quão desiludida ficavas quando falhavas
Quão longe estavas então do teu presépio de acendalhas
Das tuas farpas incessantes que como centelhas
Eram luz no céu austral e na noite escura

Como me sinto quando me lembro e de ti e dos teus camaradas
Que contigo corriam que contigo se orientavam
Quão longe estamos agora desse ideal de então
E dessas fragas tamanhas desse oceanos de sentido

Que empunhavas tuas mãos em alvoroço
E compunhas tua voz em rosmaninho
Sobrepunhas teus prantos aos dos outros fados
E eras então só fogo só fados só razão
Na imensa noite dos descalabros miseráveis, dos caminhos secretos dos penedos marcados

Como me quero lembrar de ti no meio do canavial
Toda tesa, exéquias em perseguição do momento do render da guarda
E das balas que zurravam ali por perto
Dos teus cabelos em fogo e da tua face tingida
Dos céus de chumbo e dos frios em que dançavas

Da figura da serra e de ti ainda maior
De ti maior que ela, dela transponível do rio a vau e do outro lado
Do outro lado Mirra Incenso e Torga. Do outro lado outra centelha de fogo.

Nuno Monteiro

sábado, 13 de dezembro de 2008

Discurso de apresentação da obra O poço - FNAC de Braga




Para ler de forma muito pausada, como se te aquecesses à soleira do diabo:



Quero vir aqui falar do homem. Que outro assunto me queimará mais o pensamento. Esse majestoso nada que pede licença para entrar. E muito embora eu ainda não seja um descrente na espécie dir-se-á apenas que estou a meio caminho. E bem balanceado e caindo. Não porque ele seja insidiosamente mau, quantos o não serão, mas antes porque, sob múltiplos aspectos, o considero uma criatura surpreendente e desconcertante. É tão capaz do melhor quanto do pior. Mais capaz do pior que do melhor. Logo no instante seguinte do pior. É capaz de sonhar e de esquecer. É capaz de ovacionar e de maldizer. Encerra em si um desejo de mudança mas logo se acomoda. Berra irado quando a fotocopiadora encrava mas esquece ou ergue muros em volta de África e da malária e da cólera. E esta referência a África poderia ser também uma referência à Ásia, América do Sul, América do Norte. Os baluartes da boa vida desaparecem com a voragem dos tempos. De facto o ser humano ostenta permanente duas faces. A face do comodismo, um bem-estar aparente e ecologicamente pesaroso e a outra face a face da bonomia que distribui comida pelos bancos alimentares deste país. Que distribui migalhas pelos imensos pobres e necessitados deste país. Esta dupla face tem a ver com a dicotomia entre deus e o diabo. Se, nas nossas vidas haverá alturas em que nos sentimos tocados por deus, outras serão momentos de buraco ou de poço. Como se tu gritasses não me deixes cair nesse poço. Ou como se ouvisses o teu colega do lado suplicar por um instante de cordialidade e de serenidade. E tu ouve-lo amiúde. Só que lhe não respondes porque a vida te terá embrutecido. Porque não deixar que esse se afunde no poço se a mim tantos já me magoaram. As dificuldades da vida. As pretensas dificuldades que ao fim e ao cabo não são dificuldades nenhumas. O ser humano que ergue muros de indiferença com que se distancia dos penedos da discórdia tornando árdua a jornada da vida. Pensem comigo por favor – de que valerão as nossas pequenas invejas quando comparadas com o sofrimento das mulheres africanas que vêem morrer os filhos de fome? Vives ao abrigo de uma gigantesca bandeira que te assegura todos os teus caprichos – vives bem e então tendes a esquecer que a Terra não vive toda bem. Esqueces propositadamente que para tu viveres bem milhões de outros não podem ter acesso nem a água nem a comida. Clamas por mais e mais justiça sem que no entanto dês passos reais que te conduzam a ela. Não és revolução. A revolução morreu contigo. A revolução morreu em ti.
Vivemos mundialmente um tempo de mudança. Tempos agitados de ruptura. Tempos nublados e cobertos por uma fuligem que nos vai fechando os olhos e ouvidos. Tempos indutores do medo. Medo do desemprego. Medo das más relações sociais. Medo das invejas. Medo da fome. Medo do medo. Medo do amigo que senta a teu lado. Em cada homem uma nuvem de tempestade, a ameaça de um mar agitado. É esse medo que fomenta o desrespeito. Do desrespeito vive o homem actualmente. Da falta de valores. Da farsa dos valores. Da farsa da vida dos homens. Nada está bem entre o reino dos homens. Há muitos homens e demasiadas guerras.
Vivemos uma era de declínio da civilização ocidental. Injusta sob certos tantos aspectos. Injusta para ti e para mim. O inconcebível torna-se insuportavelmente concebível. Milhões de homens, esquecidos e ignorados morrem devorados por outros homens. Homens que comem homens. E que vivem bem e que tanto ganham com isso. Instituições falidas e conspurcadas. Valores dessacralizados. Um mundo de marionetas num palco de papel. Numa decoração leve de um tom róseo para não matar de susto as senhoras donas de casa. Numa promiscuidade avassaladora que inviabiliza, anula e cristaliza. A figura gigante da máquina emperrada porque não há quem se manifeste. Não há quem berre cultura pelos corredores fora. Não há já quem ouça. Não há ninguém. O homem cessou. Fala não falando ou não se fazendo ouvir, gesticula não gesticulando, olha não olhando, vê não vendo, escreve para não ser lido, olha impávido e derrotado o arco-íris da cor do cinzento. Normaliza tudo. Tornámo-nos todos iguais. E essa igualdade encerra uma perfídia que é filha do diabo. Desse ponto de vista todos somos poço. Todos iremos ao fundo. Afundar-nos-emos caso não nos refundemos. E não parecemos capazes de nos refundarmos. Depois de mim os meus filhos e esses que se amanhem.
Cessam paulatinamente as liberdades no nosso país. Na nossa Europa. Surgem messias. Obama é o proclamado messias. Não existem homens messias. Não existem profecias. Não existem sonhos. O homem sonha mas não age. Cristalizou num modus operandi inimigo da verdade e do altruísmo. Somos o que não deveríamos nunca ser. Temos receio de que algo mude. E na esteira do que não muda apodrecemos sem sequer darmos conta. Uma das verdades mais profundas do génio do homem é o da sua imutabilidade. A negação do desejo de mudança. Feliz natal e um óptimo ano novo. Nas bocas de milhões de bocas. Nas bocas tão iguais de homens tão iguais. Agora sejamos sinceros e verdadeiros. O pregão quer dizer que tenham um natal normal – normalizado – igual e um ano seguinte igual. Nem melhor nem pior. Igual. Se possível pior do que o meu. Que não chegues a passar fome. Mas que te não dê para passar avante e comprar carro melhor que o meu. O que passa despercebido pela maioria é que este sentido de existência tem como corolário uma vida consagrada à mediocridade e à tensão do poço apertado e deixa espaço de sobra para os abutres que se banqueteiam nos melhores restaurantes. Quem poderá julgar que o sentido do homem é um carro ou qualquer outro mal material?
Por isso mesmo cessam as liberdades no nosso país. Por isso as classes estão sob ataque. Longe de mim estar a introduzir qualquer segregação que se baseie na noção de classe. Aqui a palavra leva o sentido forte de profissão. Achincalham-se os professores recuperando-se velhos ódios para que se convertam em votos à boca da urna – nome sugestivo já que, uma urna é outro algo que noutras circunstâncias contém um cadáver; achincalham-se os médicos e os enfermeiros símbolos de outra classe para que se possam daí gerar votos. Votos que nascem da infâmia. Expliquemo-nos melhor. Imaginemo-lo como um dinossauro excelentíssimo que trata todos arrogantemente e que é capaz de denegrir as classes mais letradas para captar os votos da inveja e assim cavalgar o sentido de descrença perpetuando-se no poder à custa dos mais desfavorecidos. E pelo meio coarctam-se liberdades individuais e restringem-se as vozes dissonantes. Dá-se força ao pântano em que se vive. O homem no seu eterno sentido de desprezo pelo outro homem e caminhando vivamente para a berma do poço. Ou inversamente, de dentro do poço, tantos milhões olhando ofegantes as nuvens negras que os esperam quando e se dele conseguirem sair. Procuram-se manter milhões subalternizados por uma idolatria que é analfabetismo cruel para que esses milhões possam ser melhor manipulados e manietados. De vez em quando saem novelas e telenovelas para que se mantenham milhões entretidos. Ou tiros e carnaval de algum corso de vivas cores. O gigantesco mundo do entretenimento. Orwell e o triunfo dos porcos. Restará adiantar que de degrau em degrau é a República quem se fragiliza e a irresponsabilidade quem assalta os lugares.

Palavras rudes num mundo rude. Palavras amargas num mundo amargo. Ideias indigestas. A cada um a liberdade de as julgar. A cada um a prerrogativa, central e inatacável de as aceitar ou não. Mas a cada um o dever de pensar. Porque foi para pensar que nasceu o homem. É no pensamento que ele se concretiza. É no pensamento que ele existe. Nada mais há senão palavras e ideias. Daí que elas me sejam tão caras. Em cada livro uma certeza que é também uma prova de humildade. Agitam-se as águas na certeza de que, cada um de vós não deixará de olhar esta ideia como uma mais sobre a qual julgarão.
Quanto a mim, a mim o papel que me coube. A mim a agonia da escrita. Agonia que não enjeito desde que vocês me leiam. Não vou nem poderei nunca mudar mundo algum. Mas poderei, caso assim vocês o entendam entrar dentro de vós e uma vez lá agitar-vos para que se possa aceitar o essencial da vida. Restará então saber o que é o essencial da vida. Não há questões simples. E muito menos resposta únicas.
Permitam-me então pescar uma ideia de José Saramago. Do discurso na academia sueca quando se referiu aos avós. Duas ideias, se me ajudarem. A primeira, a imagem do avô abraçado às árvores do quintal. A prova do que é realmente importante. E a segunda, nas palavras da avó que se despedia deste mundo louvando-o só porque ele é belo. Porque ele é belo. Porque ele é belo. Como se as palavras ecoassem. Quanta pena sentia de morrer porque se separaria deste mundo que era tão belo. Continua a ser belo. Por mais que o homem teime em afirmar o contrário.
Com receio de estar a maçar, e agradecendo uma vez mais as palavras que pude aqui deixar, agradecendo a vossa presença que tanto me felicita.

Muito obrigado!




Nuno Monteiro

sábado, 29 de novembro de 2008

Viagens na minha Terra - Almeida Garrett



Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de Inverno, em Turim, que é quase tão frio como S.Petersburgo – entende-se. Mas com este clima, com este ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia até o quintal.
Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de Estio, viajo até à minha janela para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me enganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa infância nos entulhos do Cais do Sodré…
São 17 deste mês de Julho, ano de graça de 1843, uma segunda-feira, dia sem nota e de boa estreia. Seis horas da manhã a dar em S.Paulo, e eu a caminhar para o Terreiro do Paço.

In Viagens na minha Terra, Almeida Garrett

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

À atenção dos meus alunos


Há muito quem queira afirmar que esta é a segunda geração rasca. A primeira foi a minha. Com que orgulho foi a minha. E agora a geração que foi a geração rasca está de tanga e à rasca. Por outros motivos, de outras idades. Mas não é sobre mim que eu quero aqui falar. Também não sobre a minha geração. Outros ventos outras alturas. Este texto é para os meus alunos. Para dizer aqui bem alto que os tenho sentido diferentes. Para lhes dizer tão alto que são meus alunos. São meus. E que orgulho. Com que orgulho. E que os alunos são os mesmos. São tão os mesmos. Iguaizinhos aos de outrora, olhai tão iguais a mim, ao tempo deles. E vem esta lenga-lenga a propósito de quê. A propósito de um repto e de um trabalho. Que mais se não diz. Que mais se não torna necessário. Porque eles estão a estudar e a trabalhar. Daí o meu orgulho. Porque o meu orgulho revejo-o nos meus alunos. Em todos eles.
Porque ontem os vi atrapalhados. E atrapalhados porque estavam imbuídos de uma missão. E como eu gostei de os ver atrapalhados. Porque estavam em demanda de algo maior que eles. Porque então foram maiores que eles. Porque foram então maiores que eu e que tu meu camarada professor. Porque em meio de adversidade deram provas de uma maturidade que eu julgava já perdida. E imaginai lá o que foi necessário – deixá-los ser eles mesmos, deixá-los navegar à borla. E como se governaram eles apesar dos antagonismos. Quanto orgulho por serem os meus alunos. E porque sei que o fazem para agradar. Porque sei que o fazem para corresponder. Para não defraudarem as expectativas.
Por isso eu não acredito em gerações rasca. Mesmo que o dia corra mal, mesmo que a aula corra mal e mesmo que as notas não sejam as melhores. Porque os meus alunos estarão sempre lá, ao fim da estrada, porque ao fim serão sempre eles, serão eles que me lerão, serão os que me ouvirão. Tão decentemente já o fizeram. E tão bem o sabem fazer. E então como será? De futuro nada sei. Sei que a palavra permanecerá. A mim nada mais precisam de provar. Porque eu finalmente vi de que cepa sois feitos. Vi Torgas em cada um de vós. Vi alvura e sinceridade.
Em tempo de crítica fácil e de mau trato ignóbil e de inveja, os meus alunos tiram as pedras do caminho e fazem-se mesmo ao caminho. Estarei a ser benévolo de mais. Não. Julgo que apenas justo. Por isso, aos meus alunos, e sem mais contemplações, sem falsos julgamentos e sem pudores. A verdade concisa e arrebatadora. Repudiai todos os epítetos com que vos tratam os incautos e mostrai o empenho que vos salvará e a verdade que vos levará para além das nuvens. E muito obrigado por todo o trabalho que quiseram ter. Muito obrigado pelo convite. E muito obrigado pelas palmas. Essas devolvo-as sob a forma deste texto que é para vós.
Nuno Monteiro

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Sou quem sou, ou sou o que pensam que sou?



Percorrendo as páginas do dicionário encontro a definição – que não me convence, pois não a considero radical – de Identidade: qualidade de idêntico; conjunto dos elementos que permitem saber quem uma pessoa é. (?) Várias questões irrompem no meu ser(ou no meu córtex cerebral?). Esta questão é muito pertinente, pois depende da posição que queiramos adoptar, mais filosófica ou mais científica. Pessoalmente prefiro a filosófica, pois não a considero tão redutora para com o conceito em questão e mostra-nos, sem dúvida, a complexidade do Eu. Já a outra diz-nos que a diferença genética do Humano para o chimpanzé é de, apenas, 3% do material genético! Não negando o conhecimento científico, muito pelo contrário, prefiro debruçar-me sobre a nossa componente existencial em oposição à biológica. Mas, sem mais delongas, quem sou, ou quem pensam que sou? Skinner diz-nos que a identidade e a sua construção é o projecto da nossa vida. Não discordo (desde que não fiquemos pelo dicionário!). Alguém disse sobre o Eu (identidade): Há aspectos do meu Eu, que eu conheço e os outros não; existem aspectos do meu Eu, que os outros conhecem e eu não; existem aspectos do meu Eu, que eu e os outros conhecemos; existem aspectos do meu Eu, que nem eu nem os outros conhecem.Se um outro Eu quiser falar sobre mim, faz favor! Serão sempre juízos valorativos e, por conseguinte, dependem do sujeito que está a valorizar, dependem dos seus olhos e dos seus filtros. Não podemos esquecer que – esta é a corrente que defendo – os valores dependem do sujeito que observa e não das coisas observadas e, como diz o sábio povo: “gostos não se discutem”, acrescento, comentam-se! Mais do que comentar o que os outros dizem ou pensam de mim, talvez lhes desse o mapa do meu Ser e, se me permitem, sem portagens: Quando me pedem para explicar como sou, costumo parafrasear Santo Agostinho: “Se ninguém me perguntar o que é (o tempo), eu sei; se me perguntarem o que (o tempo) é, eu não sei.” Vou tentar explicar! Imaginação a trabalhar, e aí vamos nós... Pensa que estás hospedado num hotel. À entrada, dão-te a chave e encaminham-te até um compridíssimo corredor, mas que apenas tem duas portas. Numa das portas lês a palavra “Passado”, inscrita numa placa, e na outra porta podes ler “Presente”. O funcionário que te acompanha, misteriosamente, desaparece, deixando-te completamente só. Como és cliente habitual, já conheces perfeitamente o que se esconde detrás da porta que diz “Passado”. Podes até perceber a fragrância de alguém que contigo tinha passado ali um bom momento, à algum tempo atrás. Com passo decidido, encaminhas-te para a porta que tem a placa que diz “Presente”. Quando entras, apercebes-te o quão familiar te é tudo. Aquele sofá, aquela janela pela qual tinhas tantas vezes espreitado... mas, subitamente, vês uma porta que é completamente nova. A primeira impressão que tens é que aquela porta não é igual às outras que estavam no corredor. Não era igual às portas que tinhas visto no decorrer da tua vida. É como as portas que se vêem nos contos de fadas. Mas para que servirá aquela porta? Reparas então que essa porta tem uma placa que diz “Não entre, espreite”. Que estranho! Sempre nos ensinaram que é muito feio espiar pelo buraco da fechadura. Que se “lixe”! A curiosidade não matará o gato. De certa forma, é como espiar a vizinha que mora em frente e que, para teu azar, te vê quando está prestes a ficar sem roupa. Compreendes agora o que é para mim o futuro? Mas, sinceramente, o que é que esperavas encontrar detrás daquela porta? O que imaginaste que eu te ia mostrar? De certeza, que esperavas o típico cenário de conto de fadas, com um belo jardim e um dia de sol a realçar a sua beleza. Desculpa, mas isso não te posso fazer. Seria muito fácil dizer que o que te espera no futuro, ou como será a tua (ou a minha) identidade, é algo mágico e com um final feliz. Por aquele buraco da fechadura, irás encontrar o que TU lá quiseres encontrar. Volta de novo para aquele quarto de hotel. Situa-te de novo na cena em que te deixei há pouco. Repara na tua indumentária. Vê bem. Nada de especial? Desiludes-me! Sinceramente, esperava algo mais dessa imaginação que usas para fins tão importantes como enganar os teus pais e professores. Se olhares bem para ti, repararás que tens um fio pendurado ao pescoço. Tira-o para fora da camisola. Já o fizeste? Lindo menino. Abre os olhos e repara bem. Já viste a chave? Óptimo. Usa a cabeça. Para que terás tu aquela chave? Pois bem, uma vez que não és capaz de chegar a essa conclusão sozinho, eu ajudo-te. Para tal vamos recapitular, de forma a tornar a tarefa mais fácil: tens uma chave e tens uma fechadura, pois experimenta a chave nessa fechadura. Pode ser que tenhas sorte. Embora a tua fé em Deus não seja lá grande coisa (e que conste que isto não é uma crítica), pode ser que Ele se lembre de ti e te conceda um milagre. “Fiat Lux!”. Os milagres acontecem e tu tiveste direito a um. Que coisa tão boa para alguém que, em plena maturidade, já perdeu toda a fé e a capacidade de se surpreender. Se tivesses confiado em mim desde o princípio, saberias que eu te deixaria espreitar e até entrar nesta porta. O que é que lá encontraste? Deixa-me adivinhar. Foi como ver o filme “Branca de Neve”, ou seja, mais de metade do filme apenas com a tela preta e com umas vozes de fundo e o pouco que restou do filme com alguns momentos em que consegues ver os actores. Parabéns! Assim vai ser o teu futuro. Muito negro, porque estiveste à espera que o Ministério da Cultura (ainda existe [Ministério da] cultura?) te desse o dinheiro que te tinha prometido e afinal só te deu metade. Deverias ter recorrido à ajuda exterior, porque quando não te entendem dentro do teu “país”, há, de certeza, alguém lá fora que entenderá a tua arte. Mas se pertences àquela percentagem que, ao abrir a porta, viu um bom filme, mesmo que não tenha final feliz, dou-te os parabéns. És dos meus. Sabes que o importante no fim de um filme não é se ele teve ou não final feliz, mas sim se tu, como realizador, te sentiste satisfeito com aquele trabalho, se o resultado final demonstra, mais uma vez, a tua qualidade, a tua identidade. Sentes que deste o melhor de ti mesmo, sem te importares se a crítica ou o público iriam ou não gostar. Tu viste um bom filme, um daqueles que te emocionou, que te fez vibrar. Sentes-te orgulhoso e isso é que é importante. O que eu quero dizer com toda esta confusão de imagens e analogias é que quando espreitares por o buraco daquela fechadura, ou quando tenhas a oportunidade de entrar, tenhas a ocasião de ver o melhor filme possível. Que saibas que foste tu o realizador e que não plagiaste ninguém, mas não te esqueças que nestas coisas do cinema é bom ouvir os conselhos de realizadores famosos. Tens alguns na tua vida!. É nisso que consiste a identidade – um filme que só tu podes realizar. Porque não há ninguém melhor do que tu para escrever, de uma forma consciente e responsável, o guião e assinares com o maior orgulho a tua obra de arte. Deves ser tu a levar esse projecto a porto seguro. Então a identidade, será aquilo que é perene, dentro da nossa fragilidade biológica. Como escreveu um outro Eu (que até imagina conhecer um pouco do meu Eu!?), o fundamental desta vida é aspirar…

Sérgio Morais

domingo, 23 de novembro de 2008

Fotos - lançamento do livro "O Poço - visões de um caleidoscópio"









Aqui ficam pois mais umas quantas fotografias ... depois do discurso e aquando da sessão de autógrafos...uma vez mais quanta gratidão pelas pessoas e pelos amigos que sobrelotaram o espaço.
Nuno Monteiro

discurso de apresentação da obra O Poço - visões de um caleidoscópio


Antes de tudo o mais devo agradecer a todos por estarem presentes e de uma forma muito especial à Marina Rocha a quem devo o prefácio e a apresentação deste livro. E também de forma enfática à Papiro Editora e ao Sérgio Machado, representante da editora e ainda à Andreia Varela, coordenadora editorial de O Poço, visões de um caleidoscópio porque acreditou e lançou este projecto desde o seu início. Agradeço também ao Dr. Pires Cabral por ter associado o Grémio à promoção desta obra. Finalmente, uma palavra de agradecimento pela cordialidade e simpatia com que me receberam nestas instalações da Biblioteca Municipal de Vila Real.

E agora o discurso e sobre ele devo começar por afirmar que me não atrevi a que ele viesse de improviso. Prefiro muito mais a calma e plenitude de uma carta escrita de véspera.

Aqui estou, confuso e aturdido, tão longe do meu canto da escrita, num local que me não pertence, num local que me nunca pertencerá. E se este momento é o meu momento de glória, eu não o quero, repudio-o até e todas as fibras do meu ser me impelem para fora desta mesa. Porque eu não pertenço a esta mesa. O meu lugar é entre vós. Tudo quanto fiz foi atirar para fora de mim uma amálgama de palavras que muito provavelmente vocês vão querer ler. E onde descobrirão barro mal amassado e cru até. E eu que sei lá se as palavras escolhidas foram as melhores. Eu que nunca poderei saber se o que lá está faz sentido. E tudo isto me aterroriza. No sentido cru e visceral do termo.
Foi num sopro de vida que eu cheguei aqui. Entre canseiras e introspecções que são as vidas de nós todos. E sinto-me carne para canhão. Sinto-vos a vos, holofotes que me ofuscam. Por isso reafirmo que este posto não é o meu. E contudo quero leitores. Ávido, com sede. Quero-vos a vós leitores, mesmo que comigo não concordem, mesmo que comigo não sintam que estejam no poço.
O que é o poço? Tudo quanto eu vivo, tudo quanto eu olho, tudo quanto eu toco. Como se as pessoas não tivessem nome. Como se os lugares nada valessem ou as coisas não tivessem tempo. E eu bem sei que este é um quadro negro demais. Mas eu não me canso de lutar. E portanto este meu livro é um grito. É um sopro hiper-realista como um sismo do qual me não consigo afastar. Que me trucida e me recentra no que para mim é essencial. E então voltamos às palavras e voltamos ao meu verdadeiro lugar. O lugar do escritor. O empilhador de frases ou o criador de alegorias. Instantâneos e retratos como retalhos roubados das vidas de outros e que traduzam serenidade, calmaria, reflexão, benquerença. Como um paliativo para a vida no poço. Porque se este livro agita os pauis que tantos vivem em turbilhão interior, é ao mesmo tempo sol e praia de um qualquer dia soalheiro. Então porque escrevo? Precisamente por isso, porque quando o faço dou comigo rodeado de sol e boaventura, dou comigo num outro mundo, sereno, silencioso, cordial, justo. Onde estão os justos que vão salvar o mundo? E para vós, porque escrevo? Para vos ter a meu lado. Como neste presente instante.

Mais uma vez obrigado a todos por partilharem este momento comigo. Obrigado por me apoiarem. E o meu livro de nada servirá se não semear leitores. Se os não arrebatar ou se os não encantar. Uma vez mais o que é o poço. O poço é da criação humana. É a servidão donde lutamos todos para sair. É o dia a dia do homem. Onde é que fica, neste quadro, o encantamento? Ao virar da esquina num sorriso que eu provoque. Num sorriso de alento – um bem-haja aos meus alunos, como os poderia eu esquecer? Que bom ver-vos e sentir-vos aí, comigo. Ao virar da esquina num piscar de olhos uma mão amiga. Num dia de céu plúmbeo, nevoeiro macilento, um homem só arrastando consigo toda a chuva.

Aqui fica, então, este meu livro. Que lhe não chamei romance, nem o pintei de rosa. É a vida real em todo o seu magnífico esplendor. É o homem. Somos nós. O poço em quantos capítulos, numa sucessão de iguais, uma escrita em círculos. Escrito num período difícil da minha vida, escrito arrancado a ferros, cheio de sono, numa cacofonia desgarrada. Se está bem escrito? Essa é a minha grande descrença e a minha grande luta. Será para sempre a minha grande dúvida. As palavras escolhidas. A composição arquitectónica. Mais que a composição, a ideia que dela surgirá! Terá vida? Será vida?

Deixo-vos com dois excertos de dois outros livros cuja leitura tanto me tocou:

Operário não pode sonhar, Quinzinho, não pode. A vida não é para sonhos. Tudo realidades vivas, cruéis. A luta com a vida.

A tua mãe já não chora, Quinzinho, não chora porque é forte. Já viu morrer outros filhos. Nenhum morreu como tu. Despedaçado pela máquina que te escravizava e que tu amavas.

José Luandino Vieira – d’a cidade e a infância

Levantei a cabeça. O horizonte tinha um banco de nuvens negras atravessado, e o calmo caminho das águas, que leva aos confins da terra, corria escuro sob um céu sombrio – dir-se-ia que a levar-nos ao coração das trevas.

Joseph Conrad – n’o coração das trevas

Uma vez mais, muito obrigado por partilharem este momento comigo. Muito obrigado por terem vindo.

Nuno Monteiro

sábado, 22 de novembro de 2008

Old Ireland - walt whitman


Far hence, amid an isle of wondrous beauty,
Crouching over a grave, an ancient sorrowful mo-
ther,
Once a queen—now lean and tattered, seated on the
ground,
Her old white hair drooping dishevel'd round her
head;
At her feet fallen an unused royal harp,
Long silent—she too long silent—mourning her
shrouded hope and heir;
Of all the earth her heart most full of sorrow, be-
cause most full of love.

Yet a word, ancient mother;
You need crouch there no longer on the cold ground;
Oh! you need not sit there, veil'd in your old white
hair, so dishevel'd,
For know you the one you mourn is not in that
grave,
It was an illusion—the heir, the son you love, was not
really dead;
The Lord is not dead—he is risen again, young and
strong, in another country;
Even while you, veiled, wept there by your fallen
harp, by the grave,
What you wept for was translated, pass'd from the
grave,
The winds favor'd and the sea sail'd it,
And now with rosy and new blood, again among the
nations of the earth,
Moves to-day, an armed man, in a new country.

Movimiento - Octavio Paz


Si tú eres la yegua de ámbar
yo soy el camino de sangre
Si tú eres la primer nevada
yo soy el que enciende el brasero del alba
Si tú eres la torre de la noche
yo soy el clavo ardiendo en tu frente
Si tú eres la marea matutina
yo soy el grito del primer pájaro
Si tú eres la cesta de naranjas
yo soy el cuchillo de sol
Si tú eres el altar de piedra
yo soy la mano sacrílega
Si tú eres la tierra acostada
yo soy la caña verde
Si tú eres el salto del viento
yo soy el fuego enterrado
Si tú eres la boca del agua
yo soy la boca del musgo
Si tú eres el bosque de las nubes
yo soy el hacha que las parte
Si tú eres la ciudad profanada
yo soy la lluvia de consagración
Si tú eres la montaña amarilla
yo soy los brazos rojos del liquen
Si tú eres el sol que se levanta
yo soy el camino de sangre

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

o céu azul borrascoso


De que me lembro quando me lembro do céu…
Não sei se de nuvens das minhas amigas, benditas desgraças
Sei lá se do vento das minhas atoardas, de mim, tão novo
Ou então do chumbo dos outros do Pablo e do salitre
Sei que são tantos por toda a vida, imensos em todos os povos
Se de nuvens de mim e da minha avó, nas escadas da minha avó, olhando-as, como generais, como guerreiras e enquanto guarnições

Quão belo tempo, quão novo ainda, que pérfida caravela de esquálida figura
Se do ocaso do fim do homem, do ciclo interminável da revolução
Se do sol nascente do miúdo e dos dois oficiais e aí tremo e eriçam-se-me os pêlos
E se de noite, se de noite as estrelas, as fugazes, as tremeluzentes como as da minha vida e da do pequenino Jumentinho pelos montes fora.

Quão bela Orão, quão belo livro, e se agora escurecesse?
Se agora escurecesse porque sempre tive eu medo da noite?
Se agora escurecesse porque fico eu sempre de sobreaviso
Se houvesse certezas, se houvesse um amanhã…

E nós, que será de nós, que faremos nós, quantos seremos por fim
E nós, a ti cigano encantado, a vós todos os palhaços do circo, bem sei que me não ouvis. Bem sei que me não podeis ouvir.

Porque não quereis, porque não olhais o céu?
Que mania de tanto perguntar,
Que mania de tão tarde acordar.
Ou que mania de me não deixar derrotar!

Enquanto guarnição roubo-o e emudecido
Torno o olhar vago para as nuvens das escadas da minha avó
E como peixinho de rabo na boca olhai para mim a correr até encontrar de novo a minha vida.

Nuno Monteiro

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Os pássaros do outro mar


Páginas em branco na lassa manhã de nevoeiro
Acordes de bizarras melodias
Lá longe os pássaros, lá longe suaves voando
Além do outro lado do mar as ilhas e as cores, a água pura e límpida

A minha água os meus sonhos os meus corais
E a minha música, um copo e um livro
As areias belíssimas como os acordes das bizarrias
Lá longe do outro lado do mar

Vai, some-te, infante santo
Consome-te
Afaga-te
Refastela-te
Ouve nas intermitências da minha vida

Ouve-me serei sempre eu
Abriga-me serei sempre eu
Os acordes serão sempre os meus

E as nuvens e as escadas todo eu deitado
Olhando o céu azul que se move tão rapidamente
Olhando o límpido céu e as cores do sol
Sentindo de fresco tropelias de menino

Serei sempre eu deste lado da barreira
Sairei sempre do mato ao lado dos enfraquecidos
Ouvirei sempre os ricos com cinismo nos lábios

Um homem só, na madrugada lenta e cinza
Um longo casaco e a luz fusca dos candeeiros
Acordes de pequenas musas
Nas páginas que não podem ficar em branco

Na minha água, eu, inteiro e gargalhando
Depois do sono saido do sofrimento
Abriga-me serei sempre eu

Corre, some-te fantasma negro
Alma espectro de tumba desbotada
Corre, apre, arre, boi, corno
Foge cão, some-te daninha.

Nuno Monteiro

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O renascer do medo


No reino renasceu o medo. Ou rejubila. Não estou certo que dele alguma vez se tenha ausentado. Repitamo-lo para que não haja desentendimentos, vivemos tempos de medo. Como se em cada esquina se postasse algum caminheiro que na realidade não está lá a caminhar. Não está a caminhar. Arregala muito os olhos e logo após vai contar pois dessa forma julga que assegura os míseros tostões as míseras migalhas com que come repastado o camarão que falta à minha mesa. Mas eu que me não importo. Nem com o camarão nem com o caminheiro. Que vivam imersos em nébula e que para mim sejam inconcebíveis. Ou ainda invisíveis. É, assim mesmo a todos os que ainda queiram ler. Porque esse é outro dos grandes problemas dos nossos tempos. Por medo, ou por descrença, quiçá as duas, também cessou a leitura. Já da escrita eu nem falo. Para quê se eu escrevo cada vez mais para mim mesmo. Ler-me-ão os meus alunos? Isso queria eu. Mas nessa já eu não caio. Uma quase descrença como uma mão que toca o desperdício ou um olhar que roça o infinito. Ou então falamos dialectos distantes que se não tocam. Ou que muito tenuemente como se fosse código de luz lá longe na penumbra do horizonte de um mar encapelado. E então entre nós todos o mar encapelado que impede a comunicação. O mau tempo do canal alargado a todos e cada um de nós. E todos e cada um abandonado ao seu canto. Um inferno em vida. Estamos cada vez mais próximos da realidade sombria dos menos afortunados. Se não há falta de dinheiro então faltam afectos, se sobram os afectos então fará falta o dinheiro. Ou então também encontro, debaixo da ponte e nas grandes urbes tantos sem dinheiro nem afectos. Os que passam fome. Todos os séculos após, ainda os que passam fome. E entretanto renasceu o medo. O medo de falar e de pugnar pelos direitos. Pudera. Numa sociedade onde a justiça emperrou, onde se graceja com o ano do término dos processos, num país onde os empregos se fecham a cada dia, num lugar onde a saúde vive gorda para os ricos. Num país onde os hotéis estão cheios de afamados de colarinho. Num país sem bandeira. Num país sem vergonha. Num país sem saudade. Neste lugar despido de homens. Onde renasceu o medo.
E que irei eu fazer doravante? Quando todos se calam e todos se tornam autistas. Quando se calam as canções e emudecem as vozes de protesto. Quando se instauram os comportamentos daninhos como se fossem a normalidade dos nossos dias. Viverei uma realidade de abnegação e de negação. Deixarei eu de sonhar? E a ter que sonhar, sonharei com quê? Sonharei com justiça onde? Sim, onde abunda essa tão preciosa? Para onde poderei olhar quando quiser olhar algo de verdade, alguma entidade verdadeira que me não queira enganar? Quem me quererá fazer companhia. Seremos ainda capazes? Ou morreremos todos autistas de olhos fitos no nosso próprio umbigo!
Alguns quererão sempre dizer que faz falta tempo. E a verdade é que falta. Se faz falta a alguns outros haverá que o tenham de borla. E que o tenham em doses duplas e triplas. E desses nunca rezará a história porque não sabem o que fazer com tanto tempo. E dos outros também não porque são formiguinhas que trabalham como escravos. Como escravos que o são cada vez mais. Eu, afirmo que o que mais falta é coragem. Coragem de união, coragem de fraternidade e de simplicidade. Coragem de homem. Vão fazendo falta as discussões fraternas e os entendimentos tão necessários. Porque os que nos querem enquanto escravos apostam tudo no nosso comportamento suicida e na nossa tendência para o malogro e a decepção. A decepção do meu irmão que me atraiçoou, a decepção do meu amigo que me denunciou. Porque essa decepção nos embebe em sono que nos fustiga devagar até que vergastados nos vamos transformando noutros novos milhões de espoliados e de defraudados. E o caminho que fecha e que se torna tão estreito e escorregadio.
Nuno Monteiro

Marão


Oh meu Marão que figura de proa
Sólido, plácido, de chuva e de vento
Áspero, teus caminhos de encanto e teus sussuros esperança
Na minha vida intruso, estranho, majestade

Que nada pedes, que nada muges
Sem sortilégios e sem pedidos
Sol e chuva na linha dum horizonte que eu quero bravio
Encanto à beira de água jorrando das eternas flores

E depois do adeus, depois da chuva, depois das neves
Queimadas, caminhos e desvarios, desmandos
Só a poeira nos teus caminhos de sorte dura
Só os encantos invisíveis, perenes santos penedos

Iradas as tuas rapinas que já lá não habitam
todas ravinas agora conspurcadas
Teus contrafortes abandonados
Longe de ti ouvem-se berros e sortilégios
Sem ti são inocentes, indecentes, tocos queimados

E sem figuras de proa eis o homem que se desvanece
Na espuma do tempo, na pequenez dos canos
Sem figuras de proa fica o desperdício das vidas vazias
Arrastadas, cruas, insanas

E todos órfãos, tantos desavindos
Na espuma do tempo, habitantes fantasmas figuras espectrais
Nas ravinas abandonados e eu clamo por ti
Daqui do longe, daqui da noite, daqui de mim

Oh meu Marão que figura de proa
Por todos os homens sem razão
Por todos os poetas já mortos
Por todas as cores ainda não perdidas

Dá-lhes razão, concede-lhes perdão
Poderá haver remédio, poderá haver retorno
Senão para que servirão as proas
Para que serão as bandeiras!!

Nuno Monteiro

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O poço - visões de um caleidoscópio


O autor deste blogue estará, no próximo dia 15 de Novembro, pelas 17 horas na biblioteca municipal Dr. Júlio Teixeira, em Vila Real, para uma sessão de promoção ao seu livro - O poço - visões de um caleidoscópio.

Terei todo o gosto em que todos quantos visitam esta página estejam presentes. A apresentação do livro estará a cargo da Drª Marina Rocha.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Miradouro - Rui Knopfli


De "O monhé das cobras", edição da Caminho

Entre a rampa e o caracol da barreira,
o picadeiro ideal para o exibicionismo
laurentino, ao fim da tarde, passeio raso,
sobranceiro à baía e à Catembe.
Enquanto a malta ia e vinha, até ser Marrocos.

Pavoneavam-se as meninas e nós,
idem, flexionando peito e músculo,
miradas discretas em redor. Rotina
diária, sempre cumprida sem atropelos.
Mesmo com a ruidosa chegada do Cagalhim,

a cavalo na sua desconjuntada carrinha Ford,
a tossir e a resfolegar, cansada das correrias
da véspera. Presumido herói, o Cagalhim
era só o bobo daquela festa. Caçador furtivo
e nocturno, sua maior aventura -
rezava a lenda - fora a de ter enfrentado,
sob o holofote, um cocone que, falhado o tiro,
o terá colhido, arrancando-lhe da cara os óculos.
De borco, espezinhado, dizem que o Cagalhim,
faca em punho, o teria capado. Pior ainda,

que vexado, o boi-cavalo, envergando os óculos
do caçarreta, até hoje percorre os matos
em busca dos testículos perdidos. Entretanto,
no Miradouro, para gáudio do pessoal,
o Cagalhim exibe, com alarido, os que não tem.

domingo, 2 de novembro de 2008

Nós, as aves - Nuno Monteiro


Se três ou quatro aves vogavam aflitas
Por sobre as pedras daquela ladeira
Uma a mais bela encheu-se do sol e dali abalou
Outra doida insana ali se sepultou, bicando-as eternamente
A terceira, ave irada, queria voar, suava em bico

Se três ou quatro cobertos de fuligem
Eram rapazes, eram adultos, foram velhos
Teriam sido? Mortos de silicose
Um pelo menos escapou, dos outros nada sei

Outras três ou quatro serras, penedias, algarvias, caldeirão
Estagnadas à beira mar, como algas, enquanto baleias
E dos risos estridentes de todas as minhas perenes dementes
Uma delas é a minha, numa delas durmo eu

E por fim retornemos ao juízo;
Corta a mão entrega-a queimada
Que não ficou esquecida
É a tua cara meu irmão, é a tua sina minha mulher
São os teus olhos e é o teu rancor
É a vossa vida borda fora.

Aves gordas vacas
Se umas voam outras espumam inveja
Outras mostram os seios alvos como serras
Terceiras iradas não deixam nada
Queimam as serras imolam-se vivas

Nuno Monteiro

Cantiga de Amigo - Glória de Sant'Anna


CANTIGA DE AMIGO
ao Sebastião Alba

bateu ao portão um dia
bateu ao portão abri-lho

vinha da estrela do norte
bebendo copos de vinho

dançou batuque na sala
(vestia como um mendigo)

disse versos disse prosas
do mais longe tempo antigo

chorou de mágoas passadas
cantou versos repartidos

dançou batuque na sala
vestido como um mendigo
e chorando sobre sonhos
e ao mesmo tempo sorrindo

disse adeus
adeus
adeuse
caiu adormecido

Glória de Sant'Anna

sábado, 1 de novembro de 2008

Tantos estarão errados? - Nuno Monteiro

Poderão tantos estar errados? Arcará a classe com todos os desmandos que o país se lembrar de lhes pedir? Nunca em tão pouco tempo se fez tanto para atirar tantos ao poço! E não pode ser de ânimo leve que se mexe com o coração e a alma de uma sociedade. Tão pouco com leviandade. Ou com o sentido de desgraça iminente. Nunca em tão pouco tempo se precipitaram tantos para a reforma. Como hei-de eu chamar a um país que não dá oportunidade aos jovens e ao mesmo tempo prescinde dos seus mais experimentados? Ou que abandona os seus velhos? Como hei-de eu tratar dum país que coloca por atacado consoante as cores partidárias e de acordo com o grau de parentesco ou meramente consoante a cunha do pedido e da bajulação?
Que hei-de eu dizer de um país que desbarata os seus valores sagrados ao afastar quadros e quadros das escolas para se contabilizarem uns dinheiros a mais e que joga enfaticamente o dinheiro dos contribuintes na roleta em que as bolsas mundiais se tornaram? Que remédio haverá para uma pátria onde se não sancionam os malabaristas ou onde se não fomenta a educação? Despida de justiça e em vias de desbaratar todo um sistema de ensino. Ou onde se tratam as pessoas como meros números contabilísticos.
Algo correrá bastante mal para que tantos tenham cara feia, tantos se sintam insatisfeitos, tantos peçam reformas adiantadas perdendo dinheiro porque não aguentam a subversão de valores. E algo correrá ainda pior se se não reinventar este ciclo que nos vai afundando cada vez mais num poço sem fundo, como numa espiral de loucura onde a cada dia se perde mais a razão.
Alguém fará o favor de me dizer por que razão eu pressinto olhares profundos e olheiras cavas nas faces ainda ontem esbeltas de quase todos os meus compatriotas! E que dizer dos nossos alunos. Até eles, pobres coitados se sentem embalados por uma mão quase invisível que terá tanto de dócil como de maléfico. Até eles sabem conscientes para que espécie de logro os estão a empurrar. Saberão os pais? Sim porque os pais, n o seu autismo – ou deverei dizer luta diária, os pais que deixaram de contactar com os filhos e que os olham cada vez mais preocupados, até eles se sentem perdidos neste paúl em que nos sabemos mergulhados.
Há, indiscutivelmente, sinais sociais preocupantes que nos estão a passar despercebidos. A autoridade nas ruas está perdida, a autoridade nas escolas também e há bastante tempo, o sentido de participação democrático sofre de uma letargia perniciosa, o nosso sistema nacional de saúde não funciona de igual forma para todos, os nossos políticos reúnem cada vez mais sozinhos e entre eles. Prenúncio de desgraça. E não há-de tardar muito. A república em perda.
Um investimento em larga escala na figura humana do professor, um retorno aos valores da reflexão e do humanitarismo, a vida do homem pelo homem, políticas voltadas e centradas no cidadão comum, na sua formação humana, políticas que protejam a família, esse farrapo que tanto se tem descuidado. Como pretenderão eles construir ou melhorar a sociedade tendo-se dado passos irresponsáveis que levaram ao enfraquecimento do núcleo duro familiar? Ou será que agora se julga que um homem saudável se cria dum plano burocrático de dois pais sem tempo nem paciência.
Quanto a mim, e assim acabo esta narrativa que já vai longa, se o homem se não conseguir reinventar recentrando-se enquanto pai e educador, creio que todo o castelo frágil e ténue que almejámos já ter conseguido alcançar ruirá num movimento massivo de perda de consciência social.

Nuno Monteiro

O homem político - As farpas



O homem político – simples influente eleitoral, mero candidato a deputado, lisonjeia, mente, difama, atraiçoa. Na política portuguesa raros dão um passo que o não conquistem por algum destes vícios. Toda a gente o sabe. As eleições fazem-se ou pela compra da consciência a dinheiro, ou pela promessa, pela lisonja, pelo dolo, pela mentira. Não há integridade nem limpeza de carácter que resista à influência degradante e sordidíssima de uma campanha eleitoral. Em presença do eleitor, nas conversações, nos comícios e na imprensa, para desvanecer atritos, para abater dificuldades, para minar resistências, o candidato, de concessão em concessão, de recuamento em recuamento, de curva em curva em curva, de cortesia em cortesia, desdiz todas as suas opiniões, desmente todos os seus propósitos, falseia todas as suas convicções, renega todas as suas crenças.


In As Farpas, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão

Qualquer dos meus concidadãos consegue, facilmente, aperceber-se das semelhanças, 130 anos depois da publicação destas que são verdadeiras farpas. A sociedade é imensamente a mesma – retirada alguma inflação ou ruído de fundo.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

África minha - Nuno Monteiro


Berço, seios de minha mãe como cajus
Chegará o dia em que de novo te abraçarei
Em que de novo me embrenharei por ti e por mim
Choro, então procuro teus espaços amplos em tuas veredas de frescura;

E do guerrilheiro que foste verei nascer um belo menino
Que chegará dançando por cima das nuvens
Por detrás das estrelas e dar-me-á de comer
Meu berço, minhas saudades, todos os cheiros;

Calmo, sou eu, aqui em baixo, escutando esse choro
Feliz, gasto o meu tempo em doces
Alimento-o, serei o pai que o órfão precisa
Serei o professor, serei união;

E se fraco aqui, ao frio e à chuva, fortes são os meus guerrilheiros
Chegará o tempo em que se varrerão as nuvens e minha alma vogará
Até à minha machamba donde retirarei batata-doce, perdido no tempo,
Donde alimentarei toda a prole, toda a ideia, toda a vida;

E como os panfletos não sucumbirei ante a podridão
Nem a alienação dos que enquanto no berço foram invejosos
Cresceram de enfado, suados de enjoo
Como os panfletos, fortalecerei minha escrita e nada mais me interessará
Senão tua saúde, minha África imensa.

Nuno Monteiro

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Felizmente há luar - Luís de Sttau Monteiro



Ensina-se-lhes que sejam valentes, para um dia virem a ser julgados por covardes!
Ensina-se-lhes que sejam justos, para viverem num mundo em que reina a injustiça!
Ensina-se-lhes que sejam leais, para que a lealdade, um dia os leve à forca!

(levanta-se)

Não seria mais humano, mais honesto, ensiná-los, de pequeninos, a viverem em paz com a hipocrisia do mundo?

(Pausa)

Quem é mais feliz: o que luta por uma vida digna e acaba na forca, ou o que vive em paz com a sua inconsciência e acaba respeitado por todos?



Todos somos Cristo, Reverência, e todos começamos pela esperança de que se realize o que há de Cristo em cada um de nós.
A uns mata-lhes a vida a esperança, a outros matam-na os que em seu nome falam, tendo-a já perdido…
Mas há quem escape, Reverência, quem chegue ao fim da vida com o seu Cristo tão intacto como no dia em que nasceu.
Esses morrem na forca ou apodrecem nas prisões, não vá a sua presença incomodar a burocracia de Deus!

Luís de Sttau Monteiro, Felizmente há luar

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Cada homem, deus de si mesmo


Fazemos das nossas vidas uma realidade aviltante. E nas costas retortas dos outros que deambulam diante de mim eu vejo o peso de toda a humilhação que nos sacrifica. Nos olhos dos meus alunos eu vejo o vazio criado e instalado, eu vejo um grito e um pedido. E o grito grita por socorro. Porque faltam âncoras, faltam melodias, falta literatura, falta poesia. Falta poesia na vida de todos eles. Na minha talvez também, da dos alunos e dos adultos. Dos adultos e dos corcundas acabrunhados que se arrastam e se atiram ao rio. Como se grassasse um vírus que nos mostra com crueza extraordinária e um vislumbre de crueldade de que matéria imperfeita somos feitos. Nascemos para sofrer quando esta vida deveria ser integralmente devotada à consagração. E hoje como ontem, como desde sempre vivemos vidas de uma realidade aviltante.
Se assim não fosse teriam os poetas que escrever para eles próprios? Onde param as fogueiras da consagração dos feitos e dos heróis? Por que morrem os heróis? Por quem morreram eles? Vão faltando flores nos campos, extinguiram-se os grandes espaços, calaram-se as grandes batalhas. Emudeceram os pensadores, acobardaram-se os partidos porque se instrumentalizaram as pessoas. Como conseguirá um viver as vidas dos outros todos. Eu sou diferente de ti. Onde repousa o meu cantinho? Quando terei finalmente tempo para ouvir a minha música?

Por isso grito que há um sentido de avilte em tudo o que somos. Avilte nas conversas iguais como labirínticos murmúrios murmurados, avilte e ultraje nos muros que erguemos perante a diferença, avilte nas expressões de desabafo e nos gestos de descrença, vergonha no olhar do outro, indefesos perante a ameaça, enrolados por uma massa gigantesca que nos comprime e formata, e toda a inveja e toda a cobardia que nos assiste. Tão iguais como descendentes de um mesmo credo. O credo da redução, o credo da vã glória, o credo da vileza, da devassa, da delação. E daí a insatisfação. Daí a nossa falta de coragem. A nossa rarefacção. Daí as vidinhas comedidas e ei-los feitos exércitos certinhos dispostos seguindo a maioria, os votos da maioria, a falta de ideais como matiz colorida, a falta de sonho que não é bola colorida, a insurreição perante as letras, perante o poeta, perante o inútil.

A falta de âncoras é gritante. A falta de tempo que as cria preocupante. A falta de interesse é o mal maior. A mesma falta de interesse que não lê livros, que não liga, que de insensibilidade em insensatez, se afunda no rio ou no poço ou na faca com que corta os punhos. O muro de silêncio que vamos construindo e que nos impede a comunicação. A falta de sentido de verdade, a falta de verdades absolutas, a falta de cultura. A falta de treino e o entorpecimento. As vontades materiais, o aqui e o agora, o tom imperativo e a queda à mínima contrariedade. Sem a perfeita noção do quão pequenino sou. O egocentrismo no centro do nosso espaço. Especialistas ignorantes ou absolutos desempregados. De uma forma ou de outra incompletos. Um exército disciplinado de incapacitados funcionais.

E agora a ti, a ti que foste feito como eu, a ti que te acomodas, a ti que dentro das comodidades do arranha-céus, a ti dependente e que escarras a face dos drogados, quando perceberás que eles são a outra face da tua mesma moeda?

Nuno Monteiro

Lord Byron - My soul is dark (estrofe um)

Apelidá-lo de Romântico puro seria quase demagógico por se rotular um homem cuja vivência e consciência político-sociais foram demasiado exacerbadas para o seu tempo. Ainda assim, ‘exacerbada’ não é o adjectivo ideal (dir-se-ia talvez de um Alencar queirosiano, ou, mutatis mutandi, de um João da Ega ‘trovejador’), mas será talvez o adjectivo mais fiel, pelo menos, à sua escrita.
Lord Byron, ele mesmo.
Não me apraz fazer uma análise extensiva deste seu poema, assaz merecedor de tal, mas não nego que me assolou, en passant, a vontade de dele fazer uma (talvez pretensa) anatomia, pelo menos, de acordo com o que o perpassa na oblíqua.

Tentativa de definição de ‘poesia’, é o facto de o sujeito poético o encetar na primeira pessoa (‘I’ – ‘eu’) que instaura, a priori, um pendor centralizado num ‘ego’ (freudiano, avant la lettre,) que extravasa na sua tentativa de definição de poesia. Curiosamente, e daí advém o egotismo tipicamente romântico (e inglês!), é a posposição de um verbo semi-modal e um advérbio de tempo (com uma modalidade epistémica de certeza), ‘can never’, que remete para a posse da verdade (sobre a poesia) da parte deste sujeito poético (ou até mesmo do próprio Byron), posse essa que não parece ser recebida e compreendida pelos restantes comuns mortais.
Ainda assim, insurge-se contra essa barreira de comunicação com os seus interlocutores incautos e ingénuos e tenta uma vez mais.
Podemos resumir essa tentativa a uma figura clássica da retórica, sempre inflamadora de marasmos e de uma paz superficial – a gradação.
Ora, eis a tricotomia que enforma essa gradação: ‘Passion’, ‘earthquake’, ‘fever’. É curioso notar que, do ponto de vista filosófico, nenhuma regra parece preterida, pois não se inclui o definido na definição. Antes se serve de uma estratégia, grosso modo, paradoxal: dar não uma, mas três definições e todas elas através de nomes abstractos / abstracções, o que não particulariza, antes generaliza e faz irromper um grau ainda menos coloquial de ‘dicionarização’ do conceito pioneiro, a poesia.
A verdade é que a sua estratégia é sintomática de algum elitismo e, ainda que a opacidade a consiga vedar a olhos leigos, é indubitável que acrescenta uma cosmovisão que se adequa a essa vivência tão intensa e desarrazoada dos sentimentos, por parte dos escritores Pré-Românticos e Românticos, à maneira de um Werther ou de um movimento ‘Sturm und Drang’ alemão.
Assim, à criação literária poética Lord Byron faz subjazer um sentir desenfreado, um constante terramoto de emoções e uma febre, tao bem conhecida como doença de amor. Na verdade, já a Lírica Trovadoresca tratava da ‘morte de amor’ por exposição a uma ausência constante do amado, e não é por acaso que o Romantismo bebe muitos dos seus pressupostos em Literatura em crenças medievais. Por isso, para percebermos a verdadeira acepção do ‘sentir poesia’, teremos de ser impreterivelmente leitores avisados e experientes. Só esses perceberão, por exemplo, o alcance da expressão ‘continuous earthquake’, oxímoro parafraseável do seguinte modo: Se um terramoto é um movimento circunscrito e limitado temporalmente, antepondo-lhe o adjectivo ‘contínuo’ estamos a conferir-lhe um carácter ainda mais doloroso e violento. É isso, estimados leitores, que melhor define o sentimento da poesia dentro de cada um de nós, aqueles que têm vontade de a extravasar – um estado permanente que, por ser contínuo,
a) nos faz querer, à medida de um Álvaro de Campos, ‘sentir tudo de todas as maneiras’;
b) nos faz sofrer a dor de um parto literário tão difícil e custoso, só recompensado quando vitorioso, finalmente metamorfoseado em palavras e textos.
Em suma, não será esta tentativa de definição de poesia uma tentativa mais abrangente e velada de definição da própria escrita? Fica, por agora, a interrogação, que a Retórica se encarregará de fazer agitar nas mentes de todos os que ‘ever shave themselves in such a state’...
Marina Rocha

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Le petit prince - Antoine de Saint-Exupéry


La seconde planète était habitée par um vaniteux: - Ah! Ah! Voilà la visite d’un admirateur! S’écria de loin le vaniteux dès qu’il aperçut le petit prince.
Car, pour les vaniteux, les autres hommes sont des admirateurs.
- Bonjour, dit le petit prince. Vous avez un drôle de chapeau.
- C`est pour saluer, lui répondit le vaniteux. C`est pour saluer quand on m`acclame. Malheureusement il ne passe jamais personne par ici.
- Ah oui? Dit le petit prince qui ne comprit pas.
- Frappe tes mains l`une contre l´autre, conseilla donc le vaniteux.
Le petit prince frappa ses mains l`une contre l`autre. Le vaniteux salua modestement en soulevant son chapeau.
- Ça c`est plus amusant que la visite au roi, se dit en lui-même le petit prince. Et il recommença de frapper ses mains l`une contre l`autre. Le vaniteuxrecommença de saluer en soulevant son chapeau.
Après cinq minutes d`exercice le petit prince se fatigua de la monotonie du jeu:
- Et pour que le chapeau tombe, demande-t-il, que faut-il faire?
Mais le vaniteux ne l`entendit pas. Les vaniteux n`entendent jamais que les louanges.
- Est-ce que tu m`admires vraiment beaucoup? demanda-t-il au petit prince.
- Qu`est-ce que signifie admirer?
- Admirer signifie reconnaître que je suis l`homme le plus beau, le mieux habillé, le plus riche et le plus intelligent de la planète.
- Mais tu es seul sur ta planète!
- Fais-moi ce plaisir. Admire-moi quand même!
- Je t`admire, dit le petit prince, en haussant un peu les épaules, mais en quoi cela peut-il bien t`intéresser?
Et le petit prince s`en fut.
“Les grandes personnes sont décidément bien bizarres”, se dit-il simplement en lui-même durant son voyage.

Antoine de Saint-Exupéry – Le Petit Prince

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Trova do vento que passa - Manuel Alegre


Pergunto ao vento que passa notícias do meu país e o vento cala a desgraça o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam tanto sonho à flor das águas e os rios não me sossegam levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas ai rios do meu país minha pátria à flor das águas para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas pede notícias e diz ao trevo de quatro folhas que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa por que vai de olhos no chão. Silêncio -- é tudo o que tem quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos direitos e ao céu voltados. E a quem gosta de ter amos vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada ninguém diz nada de novo. Vi minha pátria pregada nos braços em cruz do povo.
Vi minha pátria na margem dos rios que vão pró mar como quem ama a viagem mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir (minha pátria à flor das águas) vi minha pátria florir (verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada e fale pátria em teu nome. Eu vi-te crucificada nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada só o silêncio persiste. Vi minha pátria parada à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo se notícias vou pedindo nas mãos vazias do povo vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro dos homens do meu país. Peço notícias ao vento e o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia dentro da própria desgraça há sempre alguém que semeia canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste em tempo de servidão há sempre alguém que resiste há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre

My soul is Dark - Lord Byron

I can never get people to understand that poetry is the expression of excited passion, and that there is no such thing as a life of passion any more than a continuous earthquake, or an eternal fever. Besides, who would ever shave themselves in such a state?

Lord Byron, in a letter to Thomas Moore, 5 July 1821

My Soul is Dark

My soul is dark - Oh! quickly string
The harp I yet can brook to hear;
And let thy gentle fingers fling
Its melting murmurs o'er mine ear.
If in this heart a hope be dear,
That sound shall charm it forth again:
If in these eyes there lurk a tear,
'Twill flow, and cease to burn my brain.

But bid the strain be wild and deep,
Nor let thy notes of joy be first:
I tell thee, minstrel, I must weep,
Or else this heavy heart will burst;
For it hath been by sorrow nursed,
And ached in sleepless silence, long;
And now 'tis doomed to know the worst,
And break at once - or yield to song.

http://englishhistory.net/byron/poetry.html
“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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