terça-feira, 25 de novembro de 2008

Sou quem sou, ou sou o que pensam que sou?



Percorrendo as páginas do dicionário encontro a definição – que não me convence, pois não a considero radical – de Identidade: qualidade de idêntico; conjunto dos elementos que permitem saber quem uma pessoa é. (?) Várias questões irrompem no meu ser(ou no meu córtex cerebral?). Esta questão é muito pertinente, pois depende da posição que queiramos adoptar, mais filosófica ou mais científica. Pessoalmente prefiro a filosófica, pois não a considero tão redutora para com o conceito em questão e mostra-nos, sem dúvida, a complexidade do Eu. Já a outra diz-nos que a diferença genética do Humano para o chimpanzé é de, apenas, 3% do material genético! Não negando o conhecimento científico, muito pelo contrário, prefiro debruçar-me sobre a nossa componente existencial em oposição à biológica. Mas, sem mais delongas, quem sou, ou quem pensam que sou? Skinner diz-nos que a identidade e a sua construção é o projecto da nossa vida. Não discordo (desde que não fiquemos pelo dicionário!). Alguém disse sobre o Eu (identidade): Há aspectos do meu Eu, que eu conheço e os outros não; existem aspectos do meu Eu, que os outros conhecem e eu não; existem aspectos do meu Eu, que eu e os outros conhecemos; existem aspectos do meu Eu, que nem eu nem os outros conhecem.Se um outro Eu quiser falar sobre mim, faz favor! Serão sempre juízos valorativos e, por conseguinte, dependem do sujeito que está a valorizar, dependem dos seus olhos e dos seus filtros. Não podemos esquecer que – esta é a corrente que defendo – os valores dependem do sujeito que observa e não das coisas observadas e, como diz o sábio povo: “gostos não se discutem”, acrescento, comentam-se! Mais do que comentar o que os outros dizem ou pensam de mim, talvez lhes desse o mapa do meu Ser e, se me permitem, sem portagens: Quando me pedem para explicar como sou, costumo parafrasear Santo Agostinho: “Se ninguém me perguntar o que é (o tempo), eu sei; se me perguntarem o que (o tempo) é, eu não sei.” Vou tentar explicar! Imaginação a trabalhar, e aí vamos nós... Pensa que estás hospedado num hotel. À entrada, dão-te a chave e encaminham-te até um compridíssimo corredor, mas que apenas tem duas portas. Numa das portas lês a palavra “Passado”, inscrita numa placa, e na outra porta podes ler “Presente”. O funcionário que te acompanha, misteriosamente, desaparece, deixando-te completamente só. Como és cliente habitual, já conheces perfeitamente o que se esconde detrás da porta que diz “Passado”. Podes até perceber a fragrância de alguém que contigo tinha passado ali um bom momento, à algum tempo atrás. Com passo decidido, encaminhas-te para a porta que tem a placa que diz “Presente”. Quando entras, apercebes-te o quão familiar te é tudo. Aquele sofá, aquela janela pela qual tinhas tantas vezes espreitado... mas, subitamente, vês uma porta que é completamente nova. A primeira impressão que tens é que aquela porta não é igual às outras que estavam no corredor. Não era igual às portas que tinhas visto no decorrer da tua vida. É como as portas que se vêem nos contos de fadas. Mas para que servirá aquela porta? Reparas então que essa porta tem uma placa que diz “Não entre, espreite”. Que estranho! Sempre nos ensinaram que é muito feio espiar pelo buraco da fechadura. Que se “lixe”! A curiosidade não matará o gato. De certa forma, é como espiar a vizinha que mora em frente e que, para teu azar, te vê quando está prestes a ficar sem roupa. Compreendes agora o que é para mim o futuro? Mas, sinceramente, o que é que esperavas encontrar detrás daquela porta? O que imaginaste que eu te ia mostrar? De certeza, que esperavas o típico cenário de conto de fadas, com um belo jardim e um dia de sol a realçar a sua beleza. Desculpa, mas isso não te posso fazer. Seria muito fácil dizer que o que te espera no futuro, ou como será a tua (ou a minha) identidade, é algo mágico e com um final feliz. Por aquele buraco da fechadura, irás encontrar o que TU lá quiseres encontrar. Volta de novo para aquele quarto de hotel. Situa-te de novo na cena em que te deixei há pouco. Repara na tua indumentária. Vê bem. Nada de especial? Desiludes-me! Sinceramente, esperava algo mais dessa imaginação que usas para fins tão importantes como enganar os teus pais e professores. Se olhares bem para ti, repararás que tens um fio pendurado ao pescoço. Tira-o para fora da camisola. Já o fizeste? Lindo menino. Abre os olhos e repara bem. Já viste a chave? Óptimo. Usa a cabeça. Para que terás tu aquela chave? Pois bem, uma vez que não és capaz de chegar a essa conclusão sozinho, eu ajudo-te. Para tal vamos recapitular, de forma a tornar a tarefa mais fácil: tens uma chave e tens uma fechadura, pois experimenta a chave nessa fechadura. Pode ser que tenhas sorte. Embora a tua fé em Deus não seja lá grande coisa (e que conste que isto não é uma crítica), pode ser que Ele se lembre de ti e te conceda um milagre. “Fiat Lux!”. Os milagres acontecem e tu tiveste direito a um. Que coisa tão boa para alguém que, em plena maturidade, já perdeu toda a fé e a capacidade de se surpreender. Se tivesses confiado em mim desde o princípio, saberias que eu te deixaria espreitar e até entrar nesta porta. O que é que lá encontraste? Deixa-me adivinhar. Foi como ver o filme “Branca de Neve”, ou seja, mais de metade do filme apenas com a tela preta e com umas vozes de fundo e o pouco que restou do filme com alguns momentos em que consegues ver os actores. Parabéns! Assim vai ser o teu futuro. Muito negro, porque estiveste à espera que o Ministério da Cultura (ainda existe [Ministério da] cultura?) te desse o dinheiro que te tinha prometido e afinal só te deu metade. Deverias ter recorrido à ajuda exterior, porque quando não te entendem dentro do teu “país”, há, de certeza, alguém lá fora que entenderá a tua arte. Mas se pertences àquela percentagem que, ao abrir a porta, viu um bom filme, mesmo que não tenha final feliz, dou-te os parabéns. És dos meus. Sabes que o importante no fim de um filme não é se ele teve ou não final feliz, mas sim se tu, como realizador, te sentiste satisfeito com aquele trabalho, se o resultado final demonstra, mais uma vez, a tua qualidade, a tua identidade. Sentes que deste o melhor de ti mesmo, sem te importares se a crítica ou o público iriam ou não gostar. Tu viste um bom filme, um daqueles que te emocionou, que te fez vibrar. Sentes-te orgulhoso e isso é que é importante. O que eu quero dizer com toda esta confusão de imagens e analogias é que quando espreitares por o buraco daquela fechadura, ou quando tenhas a oportunidade de entrar, tenhas a ocasião de ver o melhor filme possível. Que saibas que foste tu o realizador e que não plagiaste ninguém, mas não te esqueças que nestas coisas do cinema é bom ouvir os conselhos de realizadores famosos. Tens alguns na tua vida!. É nisso que consiste a identidade – um filme que só tu podes realizar. Porque não há ninguém melhor do que tu para escrever, de uma forma consciente e responsável, o guião e assinares com o maior orgulho a tua obra de arte. Deves ser tu a levar esse projecto a porto seguro. Então a identidade, será aquilo que é perene, dentro da nossa fragilidade biológica. Como escreveu um outro Eu (que até imagina conhecer um pouco do meu Eu!?), o fundamental desta vida é aspirar…

Sérgio Morais

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

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