Antes de tudo o mais devo agradecer a todos por estarem presentes e de uma forma muito especial à Marina Rocha a quem devo o prefácio e a apresentação deste livro. E também de forma enfática à Papiro Editora e ao Sérgio Machado, representante da editora e ainda à Andreia Varela, coordenadora editorial de O Poço, visões de um caleidoscópio porque acreditou e lançou este projecto desde o seu início. Agradeço também ao Dr. Pires Cabral por ter associado o Grémio à promoção desta obra. Finalmente, uma palavra de agradecimento pela cordialidade e simpatia com que me receberam nestas instalações da Biblioteca Municipal de Vila Real.
E agora o discurso e sobre ele devo começar por afirmar que me não atrevi a que ele viesse de improviso. Prefiro muito mais a calma e plenitude de uma carta escrita de véspera.
Aqui estou, confuso e aturdido, tão longe do meu canto da escrita, num local que me não pertence, num local que me nunca pertencerá. E se este momento é o meu momento de glória, eu não o quero, repudio-o até e todas as fibras do meu ser me impelem para fora desta mesa. Porque eu não pertenço a esta mesa. O meu lugar é entre vós. Tudo quanto fiz foi atirar para fora de mim uma amálgama de palavras que muito provavelmente vocês vão querer ler. E onde descobrirão barro mal amassado e cru até. E eu que sei lá se as palavras escolhidas foram as melhores. Eu que nunca poderei saber se o que lá está faz sentido. E tudo isto me aterroriza. No sentido cru e visceral do termo.
Foi num sopro de vida que eu cheguei aqui. Entre canseiras e introspecções que são as vidas de nós todos. E sinto-me carne para canhão. Sinto-vos a vos, holofotes que me ofuscam. Por isso reafirmo que este posto não é o meu. E contudo quero leitores. Ávido, com sede. Quero-vos a vós leitores, mesmo que comigo não concordem, mesmo que comigo não sintam que estejam no poço.
O que é o poço? Tudo quanto eu vivo, tudo quanto eu olho, tudo quanto eu toco. Como se as pessoas não tivessem nome. Como se os lugares nada valessem ou as coisas não tivessem tempo. E eu bem sei que este é um quadro negro demais. Mas eu não me canso de lutar. E portanto este meu livro é um grito. É um sopro hiper-realista como um sismo do qual me não consigo afastar. Que me trucida e me recentra no que para mim é essencial. E então voltamos às palavras e voltamos ao meu verdadeiro lugar. O lugar do escritor. O empilhador de frases ou o criador de alegorias. Instantâneos e retratos como retalhos roubados das vidas de outros e que traduzam serenidade, calmaria, reflexão, benquerença. Como um paliativo para a vida no poço. Porque se este livro agita os pauis que tantos vivem em turbilhão interior, é ao mesmo tempo sol e praia de um qualquer dia soalheiro. Então porque escrevo? Precisamente por isso, porque quando o faço dou comigo rodeado de sol e boaventura, dou comigo num outro mundo, sereno, silencioso, cordial, justo. Onde estão os justos que vão salvar o mundo? E para vós, porque escrevo? Para vos ter a meu lado. Como neste presente instante.
Mais uma vez obrigado a todos por partilharem este momento comigo. Obrigado por me apoiarem. E o meu livro de nada servirá se não semear leitores. Se os não arrebatar ou se os não encantar. Uma vez mais o que é o poço. O poço é da criação humana. É a servidão donde lutamos todos para sair. É o dia a dia do homem. Onde é que fica, neste quadro, o encantamento? Ao virar da esquina num sorriso que eu provoque. Num sorriso de alento – um bem-haja aos meus alunos, como os poderia eu esquecer? Que bom ver-vos e sentir-vos aí, comigo. Ao virar da esquina num piscar de olhos uma mão amiga. Num dia de céu plúmbeo, nevoeiro macilento, um homem só arrastando consigo toda a chuva.
Aqui fica, então, este meu livro. Que lhe não chamei romance, nem o pintei de rosa. É a vida real em todo o seu magnífico esplendor. É o homem. Somos nós. O poço em quantos capítulos, numa sucessão de iguais, uma escrita em círculos. Escrito num período difícil da minha vida, escrito arrancado a ferros, cheio de sono, numa cacofonia desgarrada. Se está bem escrito? Essa é a minha grande descrença e a minha grande luta. Será para sempre a minha grande dúvida. As palavras escolhidas. A composição arquitectónica. Mais que a composição, a ideia que dela surgirá! Terá vida? Será vida?
Deixo-vos com dois excertos de dois outros livros cuja leitura tanto me tocou:
Operário não pode sonhar, Quinzinho, não pode. A vida não é para sonhos. Tudo realidades vivas, cruéis. A luta com a vida.
…
A tua mãe já não chora, Quinzinho, não chora porque é forte. Já viu morrer outros filhos. Nenhum morreu como tu. Despedaçado pela máquina que te escravizava e que tu amavas.
José Luandino Vieira – d’a cidade e a infância
Levantei a cabeça. O horizonte tinha um banco de nuvens negras atravessado, e o calmo caminho das águas, que leva aos confins da terra, corria escuro sob um céu sombrio – dir-se-ia que a levar-nos ao coração das trevas.
Joseph Conrad – n’o coração das trevas
Uma vez mais, muito obrigado por partilharem este momento comigo. Muito obrigado por terem vindo.
Nuno Monteiro
E agora o discurso e sobre ele devo começar por afirmar que me não atrevi a que ele viesse de improviso. Prefiro muito mais a calma e plenitude de uma carta escrita de véspera.
Aqui estou, confuso e aturdido, tão longe do meu canto da escrita, num local que me não pertence, num local que me nunca pertencerá. E se este momento é o meu momento de glória, eu não o quero, repudio-o até e todas as fibras do meu ser me impelem para fora desta mesa. Porque eu não pertenço a esta mesa. O meu lugar é entre vós. Tudo quanto fiz foi atirar para fora de mim uma amálgama de palavras que muito provavelmente vocês vão querer ler. E onde descobrirão barro mal amassado e cru até. E eu que sei lá se as palavras escolhidas foram as melhores. Eu que nunca poderei saber se o que lá está faz sentido. E tudo isto me aterroriza. No sentido cru e visceral do termo.
Foi num sopro de vida que eu cheguei aqui. Entre canseiras e introspecções que são as vidas de nós todos. E sinto-me carne para canhão. Sinto-vos a vos, holofotes que me ofuscam. Por isso reafirmo que este posto não é o meu. E contudo quero leitores. Ávido, com sede. Quero-vos a vós leitores, mesmo que comigo não concordem, mesmo que comigo não sintam que estejam no poço.
O que é o poço? Tudo quanto eu vivo, tudo quanto eu olho, tudo quanto eu toco. Como se as pessoas não tivessem nome. Como se os lugares nada valessem ou as coisas não tivessem tempo. E eu bem sei que este é um quadro negro demais. Mas eu não me canso de lutar. E portanto este meu livro é um grito. É um sopro hiper-realista como um sismo do qual me não consigo afastar. Que me trucida e me recentra no que para mim é essencial. E então voltamos às palavras e voltamos ao meu verdadeiro lugar. O lugar do escritor. O empilhador de frases ou o criador de alegorias. Instantâneos e retratos como retalhos roubados das vidas de outros e que traduzam serenidade, calmaria, reflexão, benquerença. Como um paliativo para a vida no poço. Porque se este livro agita os pauis que tantos vivem em turbilhão interior, é ao mesmo tempo sol e praia de um qualquer dia soalheiro. Então porque escrevo? Precisamente por isso, porque quando o faço dou comigo rodeado de sol e boaventura, dou comigo num outro mundo, sereno, silencioso, cordial, justo. Onde estão os justos que vão salvar o mundo? E para vós, porque escrevo? Para vos ter a meu lado. Como neste presente instante.
Mais uma vez obrigado a todos por partilharem este momento comigo. Obrigado por me apoiarem. E o meu livro de nada servirá se não semear leitores. Se os não arrebatar ou se os não encantar. Uma vez mais o que é o poço. O poço é da criação humana. É a servidão donde lutamos todos para sair. É o dia a dia do homem. Onde é que fica, neste quadro, o encantamento? Ao virar da esquina num sorriso que eu provoque. Num sorriso de alento – um bem-haja aos meus alunos, como os poderia eu esquecer? Que bom ver-vos e sentir-vos aí, comigo. Ao virar da esquina num piscar de olhos uma mão amiga. Num dia de céu plúmbeo, nevoeiro macilento, um homem só arrastando consigo toda a chuva.
Aqui fica, então, este meu livro. Que lhe não chamei romance, nem o pintei de rosa. É a vida real em todo o seu magnífico esplendor. É o homem. Somos nós. O poço em quantos capítulos, numa sucessão de iguais, uma escrita em círculos. Escrito num período difícil da minha vida, escrito arrancado a ferros, cheio de sono, numa cacofonia desgarrada. Se está bem escrito? Essa é a minha grande descrença e a minha grande luta. Será para sempre a minha grande dúvida. As palavras escolhidas. A composição arquitectónica. Mais que a composição, a ideia que dela surgirá! Terá vida? Será vida?
Deixo-vos com dois excertos de dois outros livros cuja leitura tanto me tocou:
Operário não pode sonhar, Quinzinho, não pode. A vida não é para sonhos. Tudo realidades vivas, cruéis. A luta com a vida.
…
A tua mãe já não chora, Quinzinho, não chora porque é forte. Já viu morrer outros filhos. Nenhum morreu como tu. Despedaçado pela máquina que te escravizava e que tu amavas.
José Luandino Vieira – d’a cidade e a infância
Levantei a cabeça. O horizonte tinha um banco de nuvens negras atravessado, e o calmo caminho das águas, que leva aos confins da terra, corria escuro sob um céu sombrio – dir-se-ia que a levar-nos ao coração das trevas.
Joseph Conrad – n’o coração das trevas
Uma vez mais, muito obrigado por partilharem este momento comigo. Muito obrigado por terem vindo.
Nuno Monteiro
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