Ontem visitei o meu antigo auditório. O local onde há tanto tempo eu não entrava. O local parado no tempo como se estivesse à minha espera. Parado etéreo dir-se-ia à minha espera. Como se alguém por mim esperasse. Um auditório. Um local onde entrei para tantas aulas com tantos professores. Ontem quando lá entrei foi como se estremecesse. Foi como se submergisse. Embargou-se-me a visão e toldaram-se-me os sentidos. Senti-me transportado para os meus dezoito anos recordando tudo quanto lá tinha vivido. Todos os bons momentos. Outros maus também. Senti-me como se toda a visão desta que é a nossa vida passasse diante de mim num frémito de paixão. E então lá estava o meu professor. Lá estavam os meus companheiros. Os meus camaradas. Os meus camaradas que se evaporaram na voragem desta vida. Para vós este texto. Para vós esta mensagem. Para vós estive eu ontem no auditório. Parecia que poderia respirar por vós. Parecia que conseguia ver pelos olhos que são os vossos. E subia e descia a escadaria arfando de saudade e de dor. Porque a minha saudade é feita de dor. Porque todos desapareceram. Porque vocês desapareceram. Ficaram apenas as paredes cruas e descarnadas do auditório. Ficaram as recordações. O que seria do homem sem recordações? A certa altura não consegui reprimir um soluço. Não consegui deglutir tanta emoção e então sentei e deitei a cabeça entre as mãos. E ouvi. E então em surdina sorria do colega que olhava o professor sem que o percebesse. Sorri ao combinar de novo os bares após os exames. Sorri ainda mais ao professar de novo todas aquelas nossas noites. Sorri do que tenho cá dentro. Sorri ao voltar atrás no tempo. Quão bom é voltar atrás no tempo.
Cheguei ao auditório sem vontade própria. Fui para lá levado. E quanto agradeço! Como ficarei agradecido a quem me lá levou. Como estou agradecido a quem lá me levou. Ao meu antigo auditório. Ao meu antigo ambiente de penumbra onde com dezanove anos todos sonhavam uma vida em grande. Recambolesca. O império em vida. A mão que tudo abarca. O ego gigante que não tem fronteiras. O império não conhecia limites então. Eu, com vinte anos.
Depois dei por mim no lugar dos professores mirando as carteiras vazias. Carteiras vazias mas para mim fervilhando de gente. Um barulho em surdina percorria todo aquele espaço. As vozes que eu tenho cá dentro. Tantas. Tão ruidosas. E então de mim para mim. Eu somente. E para mim ouvi a Patrícia, o Gil, o Marco, o Filipe, a Sandra, o Joe, a Catarina. Tantas vozes de todos os nomes que deixaram de falar comigo. Todos os nomes de todos os meus colegas. Todos os que a vida separou. Todos os que a voragem diária que nos consome terá incendiado. Não sei se os tornarei a ver. Escreverei até os reencontrar. É isso. Escreverei até que um deles leia e procure os outros. Escreverei sem parar até os encontrar de novo. E tornarei a escrever até que a escrita e as palavras sejam maiores que eu. Até que o auditório de novo os chame. Até que todos sejam convocados. E só então descansarei. Então, só então, simularemos um exame, tremeremos dos pés à cabeça, soltaremos brados ébrios tal qual antigamente e combinaremos uma nova noite, uma destas noites como se das nossas antigas noites se tratasse. E percorrê-la-emos ufanando poesia. Afinal de contas que é a nossa vida senão poesia. E reencontro. E música. As músicas que então ouvíamos. Não acredito em mais senão no que aqui deixei escrito.
Nuno Monteiro
Sem comentários:
Enviar um comentário