quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Marão


Oh meu Marão que figura de proa
Sólido, plácido, de chuva e de vento
Áspero, teus caminhos de encanto e teus sussuros esperança
Na minha vida intruso, estranho, majestade

Que nada pedes, que nada muges
Sem sortilégios e sem pedidos
Sol e chuva na linha dum horizonte que eu quero bravio
Encanto à beira de água jorrando das eternas flores

E depois do adeus, depois da chuva, depois das neves
Queimadas, caminhos e desvarios, desmandos
Só a poeira nos teus caminhos de sorte dura
Só os encantos invisíveis, perenes santos penedos

Iradas as tuas rapinas que já lá não habitam
todas ravinas agora conspurcadas
Teus contrafortes abandonados
Longe de ti ouvem-se berros e sortilégios
Sem ti são inocentes, indecentes, tocos queimados

E sem figuras de proa eis o homem que se desvanece
Na espuma do tempo, na pequenez dos canos
Sem figuras de proa fica o desperdício das vidas vazias
Arrastadas, cruas, insanas

E todos órfãos, tantos desavindos
Na espuma do tempo, habitantes fantasmas figuras espectrais
Nas ravinas abandonados e eu clamo por ti
Daqui do longe, daqui da noite, daqui de mim

Oh meu Marão que figura de proa
Por todos os homens sem razão
Por todos os poetas já mortos
Por todas as cores ainda não perdidas

Dá-lhes razão, concede-lhes perdão
Poderá haver remédio, poderá haver retorno
Senão para que servirão as proas
Para que serão as bandeiras!!

Nuno Monteiro

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas