terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Mirra incenso e torga

Como me lembro de como te orgulhaste dos cabelos em fogo
Quão longe estavas do teu ideal de beleza
Como me lembro de quão desiludida ficavas quando falhavas
Quão longe estavas então do teu presépio de acendalhas
Das tuas farpas incessantes que como centelhas
Eram luz no céu austral e na noite escura

Como me sinto quando me lembro e de ti e dos teus camaradas
Que contigo corriam que contigo se orientavam
Quão longe estamos agora desse ideal de então
E dessas fragas tamanhas desse oceanos de sentido

Que empunhavas tuas mãos em alvoroço
E compunhas tua voz em rosmaninho
Sobrepunhas teus prantos aos dos outros fados
E eras então só fogo só fados só razão
Na imensa noite dos descalabros miseráveis, dos caminhos secretos dos penedos marcados

Como me quero lembrar de ti no meio do canavial
Toda tesa, exéquias em perseguição do momento do render da guarda
E das balas que zurravam ali por perto
Dos teus cabelos em fogo e da tua face tingida
Dos céus de chumbo e dos frios em que dançavas

Da figura da serra e de ti ainda maior
De ti maior que ela, dela transponível do rio a vau e do outro lado
Do outro lado Mirra Incenso e Torga. Do outro lado outra centelha de fogo.

Nuno Monteiro

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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