Morre o homem. Finda a caminhada no deserto. Queda-se muda, doravante, a voz inquieta. Uma enorme lucidez e uma vontade tenaz. Morre um cacto, na ilhota larga, livre, infinda. Talvez agora, liberto para sempre do crucifixo que o golpeava, completas que estão as cerimónias fúnegres e para sempre transformado em Cacto ou em Oliveira, possam os outros homens, os que ficaram, sentar e abrir um livro, para ler.
Porque…
O homem que morreu:
Foi um andarilho que num assomo de felicidade o prendeu a escrita
Foi um livre pensador que nunca se deixou calcar
Foi um ser humano que nunca desistindo tocou a liberdade.
E porque
Esse homem que não findou:
Ousou ser e querer
E por isso lutou
Desgraçados os homens que o queiram julgar. Quem julga que pode condenar um escritor? Esses, os que o quererão calar, bem lá no fundo saberão, ainda que tarde, que se não corta o pensamento e se não matam os cactos… e se, bem sei, haverá sempre desertos, haverá sempre cactos crescendo devagarinho, tresandarilhando e procurando caminhos…
E,
Até as oliveiras, essas magníficas páginas
Ibéricas como ele,
Sugar-lhe-ão o pó das estrelas
Estrelas que pulsam num lento restolho e que encerram o combustível da vida. Mas há estrelas mais brilhantes, há estrelas resilientes
Apetece-me talvez afirmar:
Que o herói não morreu! Não, o pintor das almas pode ter calado, mas a obra fica! A noite clara, límpida, fria, quase austera, é uma carapaça rígida e triste onde se vêm as estrelas, e onde, por vezes, chove, uma água limpa e clara, que lava o cacto e lhe dá alento.
Encontrei, quase por acaso, Clara, ajoelhada, chorando, defronte de uma Oliveira, peregrinando as palavras acima transcritas...
Nuno Monteiro
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