domingo, 2 de novembro de 2008

Nós, as aves - Nuno Monteiro


Se três ou quatro aves vogavam aflitas
Por sobre as pedras daquela ladeira
Uma a mais bela encheu-se do sol e dali abalou
Outra doida insana ali se sepultou, bicando-as eternamente
A terceira, ave irada, queria voar, suava em bico

Se três ou quatro cobertos de fuligem
Eram rapazes, eram adultos, foram velhos
Teriam sido? Mortos de silicose
Um pelo menos escapou, dos outros nada sei

Outras três ou quatro serras, penedias, algarvias, caldeirão
Estagnadas à beira mar, como algas, enquanto baleias
E dos risos estridentes de todas as minhas perenes dementes
Uma delas é a minha, numa delas durmo eu

E por fim retornemos ao juízo;
Corta a mão entrega-a queimada
Que não ficou esquecida
É a tua cara meu irmão, é a tua sina minha mulher
São os teus olhos e é o teu rancor
É a vossa vida borda fora.

Aves gordas vacas
Se umas voam outras espumam inveja
Outras mostram os seios alvos como serras
Terceiras iradas não deixam nada
Queimam as serras imolam-se vivas

Nuno Monteiro

1 comentário:

Dina Cruz disse...

Às aves que se permitem voar... Só assim conseguirão chegar ao cume da montanha e olhar, de cima, libertas, o poço escuro.
Dina Cruz

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas