sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Os homens que teimam em não acordar às quatro da manhã


Quatro horas, dentro em pouco acordaria, levantar-se-ia, estaria sozinho em casa, um lúgubre casebre e sabia que nada haveria para comer e nada haveria que escrever, sabia incessantemente que ninguém haveria para conhecer, sabia, fora de tempo, que nunca apertaria a mão a estátua alguma, não conversaria em castelhano com poeta algum, não visitaria pintor esquálido ou qualquer artista de circo.
Quatro horas, acordasse?, ligaria a luz, não!, não a ligaria, não adiantaria pois ela não acenderia, não pagara a conta da luz, há quanto tempo deixara de ter dinheiro?, por dentro dele, a solidão e a fome e o frio. A santíssima trindade… Não serão as três a mesma página? Em meio deste Outono, não consigo vender um único texto, não consigo vender palavras então por quê escrevê-las, talvez por casmurrice, ou talvez por sorriso, infortúnio, desprezo.
Quatro horas, que mania de escrever o que nada alguma vez haveria para escrever. Talvez por isso, talvez por se ver inclusive despojado de princesas e de momentos de alegria, talvez por se ver cercado de frio e fumo, talvez, ou talvez não.
Cinco para as quatro horas, é o filho de Pedro Páramo quem com ele priva, és tu que insistes em viajar até Paris? És tu quem insiste em mendigar em Paris? És tu quem insiste em fugir com uma ciganita de longos olhos com cor de caramelo? És quem se faz passar por Homem mais Forte do Mundo? És quem quer matar meu pai, o ignominoso Pedro Páramo?
Não para todas as questões, sim para todas as questões, um minuto para as quatro da manhã e os telhados da minha amada cidade estão imóveis, aguenta-os uma neblina maldita que não é mais que o sustento da sagrada família. Em que mundo julgas que vives? Não saberás que há muito aconteceu a minha morte? Olha, esgotou-se o teu minuto. Afinal não és eterno. Todo o pasto dos homens está em chamas. Há apenas um carreiro e esse está ocupado a ferro e fogo pelos arcabuzes em ferrugem, fugidos dos céus azuis, pintalgado como um balão remendado por lendas de folclore e teatro de rua.
Não, por favor, não te vás ainda, ainda te não disse meu nome

Nuno Monteiro

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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