segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A mexicana maior


Precisava de mais alguns centímetros! Deus não lhos concedera. A altura e mais uns quantos atributos. Dera-lhe a graça e a destemperança. Emprestara-a ao diabo e por lá a esquecera. A moça, recostada numa mesa de black jack, olhava a mesa e pelo canto do olho mirava-o. O seio arfava, desinquieto, por dentro do espartilho… pesava nas noites anteriores sem sono, cansada, habitava nela um truculento azedume, uma faca rútila, um leve rubor e um fervoroso clamor quando
(Arrancando os pés, empurrava as pernas, esticava-as, media-as, dependurada da cruz, julgando saber… oh deus que me empurraste para a tumba onde mora o diabo… a mão e os anéis, as unhas pintadas de voz, uma garrafa de mescal, uma cinta apertada e na coxa, folhas vermelhas dum Outono irreal )
Tenho medo quando me descubro ao espelho, deve ser afronta quando corro descalça e os cactos me bicam, Espelho meu, espelho meu, haverá alguma mais… há algum tempo se não sentia… interrogativa, nada sentia quando as mãos próprias a tocavam… e o seio mais ainda arfava, comprimido e suprimido ante uma inesperada agudeza do real, num golpe de dor, sombreava os olhos e bebericava os lábios, mordiscando-se piscava-o, surda, ofendida, enforcada. E agora,depois de tantos anos, quando para sempre lhe faltavam uns centímetros, ali na mesa, senhora dum fado viúvo, fortuito, ilharga dura e bamba, que lhe importava se perdesse, se o moço que ela trazia em vista lhas mirasse e as revolvesse, com mãos ambas, de prestidigitador.
Ao diabo o que é do diabo e eu, quadro meu, sei bem o que sou.

Nuno Monteiro

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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