Sento, mudo, ante esta folha em branco. Espero que ela se escreva e enquanto isso coço o nariz, observo e leio, emudeço e incandesço, sou das pequenas vilas e aldeias, dos solares abandonados e das pequenitas casas dos lagos… levanto e esventro a manhã, encosto-me aos verdes das encostas e aos sacos amendoados que pulam de mão em mão, arrojo e movo de coragem, sou assim, armo de uma cana de pesca e molho-me no rio dos meus passos…
Ainda estou sentado emudecido ante esta folha de papel… bica o primeiro peixe! Eu que o não sinto, deixo-o voar livre… capturo as cores e os vagares, posso fazê-lo, posso dizê-lo, ai que chega o segundo peixe, uma truta enorme, luzidia, topa-me, descreve uma volta na água e navega em volta, crente, inchada, adornada de vida… esta truta não se deixaria nunca apanhar… mudo de pouso, meto-me à sombra de um choupo ou de um ulmeiro, não me podem ver… chega um terceiro peixe, este é um pequeno incauto, fareja, canta, lacrimeja, abocanha, sente na boca um leve ardor a sangue e é picado, mirabolante, por milhões de estrelas, rabeja, tenta fugir mas deve saber que já está condenado…
Mas é na folha de papel que escrevo… é ela que me aprisiona e portanto, o pequeno peixe, que deve viver por aí, pode percorrer a sua estrada livre e duradouro, pois é para isso que se escrevem livros…
Traça em mim uma infância de fogo, uma liberdade infinita que aprendeu com o tempo, com a distância, com as caminhadas: tudo é circo, tudo é vento, a neve caindo aos molhos e os pés de Anita, molhando enfim, o rio de ouro, o sorriso azul da tisnada pele.
Nuno Monteiro
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