segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Mar mestiço, água vélica


Tentarei descrevê-la da melhor forma. As cores. O branco das casas contra o azul do mar. Um mar calmo, tépido, um mar mestiço, que não é alteroso nem grande. Uma linha de mar, limpo de sargaços, entre falésias, um sopro de navio. Assopra uma ligeira brisa, fresca, salga, arremete, quebra, vence. Voltemos ao branco. Um branco da manhã, sombras oblíquas contra um branco moço, possante. O branco do meio-dia, olhado já sem sombras, o meio-dia que não deixa que entre os telhados se imiscuam medos. E o branco do final da tarde, que te apanha à surrelfa, laborioso, pondo a mesa e servindo o vinho, um copo barrigudo, tisnado, que acompanha um prato de peixe…
Ei-la!, - a noite. O lugar quebra em sons e em cores… abrem os pubs e tilintam as garrafas as cervejas ao litro e a infamante sangria. Tilintam também as vidas quase por fora dos homens… Mais cores, outras cores, humanas não como os telhados ou as varandas, humanas como os risos e as faces que coram… os olhos azuis, os cabelos loiros, as unhas pintadas, a linha de borda e a maioridade, um passo de dança e um sorriso de sal, lembrando um tempo vago, impondo um céu a um pasmo de estrelas.
Tudo está ainda tão ténue… nem as travessas se movem ainda, nem os pequenitos barcos chegam com peixe… Por ora, apenas o mar me enche o olhar… sete da tarde e ainda há banhistas… é a areia que não desgruda! Estou sentado aqui num banquinho de pedra e vejo quando uma gaivota pisa o telhado da casa da frente… impossível escrever o som que elas grasnam…
Chove tempo na minha folha… navego para dentro e para fora do século, invade-me o deserto e o caleidoscópio de portas… esse grasnar esquisito dessas gaivotas, então todos os tempos que o mundo teve… e também os futuros, envoltos em tecido, preto, da noite alterosa, tantos passados e aqui donde eu olho, um futuro? Preto, preto?, esse futuro? Ou mestiço, da concórdia?

Segunda-feira, 2(?) de Agosto

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas