sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Se te afastas demais da costa


Há todo um vasto alfabeto por detrás das paredes brancas e das matizes de mar… até então, eu desconhecia a foto com sol e calor… julgava que a foto deveria ser melancólica, cinza, nevoenta e se possível com pingos grossos de chuva. Fria e armadilhada. Pouco pintada ou quase nada, cabelo em desalinho, pernas e pés fechados, escondidos, um forte pendor a vazio, ou pelo menos, um estranho caso de desamor. Assim era a minha vista do mar… um longo intestino de baleia, um breu, pouco menos que um escuro poço escondido pelos cedros e mergulhado em fetos… mas não. A foto pode conter cor. A parede branca, e num canto, em perfeita esquadria, um beiral de janela, um cortiço de madeira, uma cruz abandonada, um caminho. Melhor, uma foto de uma porta, tu entras e perguntas! Desculpe minha senhora mas onde estou? Meu caro senhor, então não sabe!, aqui encontra cores por dentro de cores, ao rebordão, tem apenas que fechar os olhos e seguir os espelhos, seguir o homem de lata…
Não adianta, mangam comigo… um calor dos diabos, escorro em pingas para cima da máquina fotográfica! Percorro uma maior ruela, portadas fechadas, as casas querem à viva força sumir-se do calor, eu, espantalho, compreendo que não basta calcorrear as ruas, não basta bater às portas.
Ou às pingas grossas de uma chuvada cinza, ou aos faiscantes laivos de sol, o mar, defronte, só e verdadeiro, por detrás, um ondulado fino, ar quente e seco, ao longe as caravanas, também sós, também ausentes, enquanto que por entre as minhas ruas, apenas almas, sussurros!, vivos, estóicos, os cactos, de bocarras abertas, os únicos que, como eu, vivos. A foto também pode conter dor. Cor com dor. Encontro uma portada aberta, desculpe minha senhora… estes meus olhos são um pastel de enrolar, nada sabe como é, nada sabe ao que é, nada conhecem do que há para lá das máscaras… ao menos um mescalzito…

Nuno Monteiro

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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