terça-feira, 14 de julho de 2009

O Arquipélago da Insónia


… um milhafre, dois milhafres em círculos e no entanto imóveis como é próprio dos milhafres que flutuam quietos, param, regressam, sobem e descem sem mudar de lugar, é a terra que muda, dobra-se, dilata-se e eles especados salvo quando uma agitação de asas e bicos no pátio, uma poeirazita, um pedaço de tijolo ao contrário
(a senhora que não ligava aos milhafres indecisa
- Não sei)
e os milhafres a galgarem o ar, de cabeça entre os ombros, com um frango nas unhas, descobri que fazem os ninhos em penhascos que não me atrevia a subir não fossem levar-me também arrancando-me as penas, uma ocasião encontrei um deles no topo da chaminé a fixar-me, escondi-me na lenha do fogão
-Um milhafre
Uma das empregadas veio ao alpendre com a faca do peixe e voltou-se acusadora
- Não há mihafre nenhum
E realmente milhafre nenhum, a criação em sossego, só o mulo assustando cães e perús dado que o meu avô criava em torno um círculo de receio…

António Lobo Antunes, in O arquipélago da Insónia, Dom Quixote

Sem comentários:

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas