sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Vou contar o meu sonho...



Sempre que ao meu lado !comigo! convivem os saudáveis e os etéreos… num vagar de um tempo lasso… de um tempo quente e húmido… tal qual a música… tal qual o verbo… às vezes sozinho… outras vezes rodeado de cores… outras vezes (estas vezes as minhas preferidas) … instantes fugazes! tão próximo de ti! Ou em sussurro…quase em abstracção! Quase em agonia! No meio dum escuro… do abastado alabastro…


!O pobre menino pende na beira da ponte deitando suas lágrimas ao vento…!


Sempre que do meu interior vertem as lágrimas por ti derramadas… espera um pouco… conseguirei eu abstrair… não quero falar-te de poços nem de fétidos sorrisos! Não! Decididamente. Sempre que de mim se acerca um formigueiro que se não comporta como tal… sempre que de mim se acerca uma etérea e deletéria esperança… eu finjo sorrir-lhe… e por momentos sigo o meu caminho. Nesses instantes em que o meu tecido vivo quase te abraça!

A mãe sufragada de trabalho ainda tem que ouvir rugir esse incontrolável patronato…

E tudo porque dentro de mim eu sou apenas criança… e tudo porque dentro de mim há um instante apenas de sossego… tudo porque dentro de mim confluem todos os adamastores… e porque ao fim da estrada … ao fim da estrada… temo e fujo quando me encontro só… porque ao fim da noite… impulsivo e descontrolado… bocarra colada ao fundo vítreo da esterilidade… tudo porque ao fim do meu texto… tudo porque ao fim da esperança… para lá da música e da dança… enfim!


O vento secou as lágrimas e agora é o rapaz quem se alça ao vento.


... caminha indecente e seco por sobre um domínio de morte…
e diz a mãe! O meu mundo é este meu patrão! A minha vida é a minha produção! e isto Enquanto lhe arde o peito...


Para lá da musa dançarina… para lá dos caminhos e dos sorrisos escarninhos… se me não consigo ver liberto dos meus muitos adamastores… se bulem comigo os milagres de Cristo e se namoram comigo as coléricas malhas encarnadas de tuas unhas pintadas… porque acordo sobressaltado à vista dum enorme fragor…
Um baque surdo de duro mineral assinala o fim e o silêncio… as asas do homem têm tão efémera vista…


Porque:


A fábrica é uma pança gorda que tudo engorda e tudo trucida…
Porque:
A vida o abandonou e os sonhos que o não alertaram…

Então vamos ao sonho (parte dois) – um “aprés” desgraça


Um chão qualquer e uma vela cortando a imensidão da noite! Dois ou três pomos de laranja espalhados aqui e além… paredes de pedra num montado tosco! As tuas pernas prenhes e grávidas… uma camisola de lã que te esconde o leite… túrgidos mamilos eleitos entre cúmulos – pendida sem peso entre nimbos e limbos – invente-se pátria já! Invente-se dor de parto! Já!
Descubra-se a volta do tempo ou passe-se para lá do tempo… numa outra paris… fume-se nova arremetida!
A tosse da mãe é de tuberculose é de pulmão é enfim… de escarro… a tosse da morte é da cama duma pobre pátria … corujas e abutres… ela! Pele calejada e um saco de mar em vez da face…
Quero uma cantiga e a vela pequenina luz etérea marcando a tua presença! Não quero estar sozinho… não quero ficar sozinho… não quero casas de acolhimento… não posso dizer sim! não posso dizer não… posso gritar mas nunca voarei… sei que nunca conseguirei partir os muros…
Pessoas tão penteadas inventam passeios saltitando entre olhares e
Salpicos de renda numa melopeia de pele – pintadas unhas de pés erectos enquanto os olhos…
Por trás das lentes por trás das mentiras…
Centopeias de faltas e de cobardias!


Mas tu! Porém tu! em teu útero inteiro e intacto – delgada e fina pêra de novos vivos pequeninos passarinhos…
E tu! então tu! podes contra a faca que corta a morte – podes semear novos olhares e novos povos! Podes ser mãe e guerrilheira! As duas montanhas do mundo – da tua poesia quem sabe não viverá novo reino! Da tua poesia um novo reino…

!Que engula a morte que erradique a pobreza que seja Nobel…!
Nuno Monteiro
Imagem - O sonho - Pablo Picasso

1 comentário:

Dina Cruz disse...

Entram, por nós dentro, as palavras... É impossível barrar-lhes a entrada! Invadem sem piedade, cercam-nos, absorvem-nos, enchem-nos!
Bom fim-de-semana. Agora... vou voar...
Gaivota livre de grilhões!

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas