sábado, 31 de outubro de 2009

O que é o plural de um monólogo



Sou eu deitado dentro de mim quando nem um pio deito do fundo desta minha caverna… um eu hibernante que teima em sorrir… desviado do mundo e nunca olhando antes fugindo assoberbado de espanto ... crudelíssimo de suor … desviando a minha cara minha da face do espelho da face do medo…
ou
Serei eu em meio de garrafa e em pleno convívio em meio de múltiplos bares e de sons e cores. E de sons e cores. Não triste. Não acabrunhado. Não idêntico a mim. igualzinho a mim próprio. Digno de mim. completamente digno de mim mesmo quando rio deste infanticídio. Mesmo quando escarneço cobarde esporeando as estrelas e cavalgando Galáxias. Sobejo de energia. Uma força vital desmesurada e desmedida. Num palco. Ao centro. Imensamente quente!
ou
Não serei eu acabrunhado e triste perante a ponte. Perante a miragem. Perante a queda. Não serei eu acabrunhado perante o silêncio. O silêncio tempestade de negação humana. Soltando as entranhas que não tenho. Dispersando sémen que arde enquanto fogo.
ou
Eu. Alma! Sereno! Respirando a montanha e alegórico! Categórico! Lendo. Contemplando um pretenso vazio. Uma espécie de nirvana.


(quantos “eus” caberão dentro de mim! quantos espelhos terei eu dentro de mim! quantas faces minhas diferentes!)


Eu? Eu nunca saberei definir o homem. Eu nunca conseguirei transportar esta nossa espécie de viagem. Eu sequer sei se vivo?! Eu sequer sei se morto?! Morto vogo por sobre espumas de risos. Vivo vogo por sobre risos e espumas. Vivo ou morto atravesso o tempo. Vivo ou morto escrevo estas linhas. Nada mais sei.
Seja então a minha voz a de um monólogo. Seja. Embora eu não seja. Um clarão de nuvens ribomba sobre mim e despeja água. Água pura e pacificadora.
Eu. Alma irada não respondo! Não respondo. Berro muito alto. Emudeço. Olho as horas. Tudo me mete medo. De tudo me afasto. Quanto mais me afasto mais me sinto só. Num ilhéu. Nem uma árvore espectral. Nem uma cova.

(quantos “eus” caberão dentro de mim! quantos espelhos terei eu dentro de mim! quantas faces minhas diferentes!)

E tempo?! egos? Quantos serão os meus? Respostas quantas?... menos de mil não conseguirei eu arquitectar! Quantos sujeitos serei eu?
Findo mais um livro. Renasci. Já não sou eu. Não deixei de ser eu. Por vezes vomito. Muitas vezes vomito. Todo o barulho me torna prenhe demais. Toda a verborreia dos dias. Tudo é vomitado. Tudo é desperdiçado. Alguém saberá onde pára a vida?
Quem me dera poder ler a meu bel-prazer dentro de uma redoma de vida. Fértil campo de feno. Ilha solitária de pão e dor. Não! Não dor. Encarnado. Juventude. Instantes de juventude. Não é isso que também quererás?!

(por volta de mim risos… duendes e estridentes ecoam pelas paredes e enfunam pelas ruelas tão estreitas)

sou do tamanho da ilha mais pequena e todo o meu eu está cravejado de solidão. uma gaivota. paira de olhos irados. Quantos de mim verá?! não sei construir plurais! não sei tecer romances. primeira pessoa. sempre da mesma forma. muitas pessoas dentro de mim…

Nuno Monteiro
Imagem - Guernica - Pablo Picasso

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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