quinta-feira, 3 de setembro de 2009

este outro amanhecer


Na brisa deste novo dia confluem germes e outros animais da quinta… na ligeira brisa deste novo dia toda a quinta se levanta e se faz homem… na brisa deste novo dia cessam os movimentos dos pinheiros – quando se instalou a imobilidade? Desde quando cessou toda a actividade?
Lá longe por trás dos montes desenha-se a alvorada. Sargentos e bulícios despontam da soturna noite… o céu mostra-se sem cor. não há vermelho nem encarnado. Não há contornos de lilás. Não desponta amarelo algum. Lá longe por detrás da alvorada cresce um dia sem cor uma espécie de lama asfixiante…
As mesmas luzinhas acesas. Lutam para não esmorecer. Sabem que morrem a cada novo dia. Saberão? Sabem! A cada dia um pouco mais azedas. A cada dia pelo passar inexorável da desumana alma…
As nuvens como sombras desenham pelos céus malhas assustadoras… lembram o medo… lembrando ao homem quão homem ainda é! Semeiam escuridão por quase todo o lugar. Semeiam ignorância…
Os contornos mostram mãos e pés grotescos… lembram faces gastas feias. Não há um pingo de mel… todo o monte se prepara para a grotesca invernia. Mãos e pés grosseiramente grandes cavam caminhos e carreiros por onde o amor ()
No meio do tempo então um tiro ou um silvo… um gonzo ou um ribombar… e então abrem-se escancaradas as mil faces deste céu. O sol jorra agora fogo redentor… mas pelo meio dos bosques os gnomos correm a esconder-se.

É dum daguerreótipo… por sobre uma alvorada. Duns olhos que cegam submersos em medo… olhos sem as mãos ou as mãos esbracejando sem os olhos…

Sem comentários:

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas