Estou num sítio aprazível – rodeado de livros e de paredes pretas. Estantes vivas que esperam calmamente o nosso olhar. Ávidas de mãos sedentas de insónias. Estou portanto ao centro do mundo. Tenho as histórias do mundo em meu redor – os livros das prateleiras são constelações de sensações e de sabores. Uma via láctea – uma estrada de Santiago – um lugar aprazível onde repousam as vidas de tantos. As palavras e as frases. Tantos. Tanto. Tão pouco. Os píncaros e as profundezas. Os intestinos do homem. Instruções de passagem. Caixa negra de avião. Paredes pintadas de negro. A cor do luto. A cor do silêncio. A cor da saudade. A cor da estudantina. A cor da serenata. Os espaços fechados. Os teus fantasmas congregam-se aqui. Paredes que caiam desta forma um branco tão pouco usual. Ou que sugam a luz – deixam-te cair ao infinito do mundo ribombando como o trovão. Ou arena e ringue da vida do dia-a-dia das pequeninas formigas ou das alegres e joviais andorinhas que pararam para nos cumprimentar. Lá fora a lua espalhará cinzento. Lá fora as avenidas iluminadas são os caminhos das insónias. Lá fora tantos esperam que desça a noite. Esperam que o mundo se desenvencilhe do branco. Esperam que os olhos azuis se enovelem. Pedem cor de livro e o recheio de calor e o cheiro das tertúlias. Pedem. Estão em pulgas e fervem de febre. Febris anunciam olhando as paredes e as estantes cobertas de livros. Chegam ao grito após um momento de maior introspecção. Chegam às lágrimas.
Não sei que espécie de beleza tem esta cidade. Não sei que algo cinzento. Não sei que lhe hei-de chamar ou julgo que será da idade. Será da idade. Tradição. Talvez. Ou serão os fantasmas dos guerreiros que por cá passaram. Serão as almas dos tantos que por cá passaram e por cá viveram. Serão as saudades. Vagueiam saudades que te tolhem o olhar e te obrigam a correr. Vagueiam saudades. Anunciam-se recordações. Tudo isso é Coimbra. E esta sala é o epicentro do sismo. É a marca indelével das estações do ano. Das minhas febris insónias. Das paredes caiadas de negro como se aqui fosse possível invertermos a vida. Como se nesse instante fosse possível transpirar lugares e vagares e anunciar cinicamente que o mundo é uma enorme biblioteca. Dança comigo porque também ele aqui está – fuma comigo porque também ele aqui está – das paredes soltam-se os autores num tântalo lamento. Então vive de novo – vivam de novo – vagueiem – insinuem-se – o mundo não é feito de tempo – não é contido em espaço algum. A noite não tem barreiras. Não tem ditames. Não tem preço. A noite tem ditos. E olhares. E posturas morais. Crimes exemplares. Cada noite é uma ilha submersa de espelhos. Consigo olhar para dentro de ti pequenina flor. Posso observar-te naufragada em suor minha cigarra amiga. O cinzento da noite e as avenidas quietas os passos do jardim botânico e os enormes edifícios da universidade. Todos gárgulas que se movem com orgulho. Morre em mim o esquecimento dos meus amigos. Tremo e anuncio ao mundo que esta cidade me acomete de loucura. A loucura das lágrimas nos olhos e a doçura na voz. O tormento das saudades. Das saudades dos tempos que eu julgava não existirem as saudades dos guerreiros que comigo estudaram. Não estudei cá! Não vivi em Coimbra. Mas é aqui o epicentro do sismo. É aqui como se algo sobrenatural se assoberbasse de mim. por detrás de cada livro as saudades que me embargam a voz e me comprimem o peito. As estrelas do firmamento tão longe por detrás das paredes caiadas de escuridão.
Queria que hoje fosse carnaval para poder fumar um cigarro. Um dia destes devo imiscuir-me nessa máquina maravilhosa que viaja no tempo. Para cumprimentar Buenos Aires. Para conversar com a boémia. Para ouvir as melodias que foram as tuas cortazar. As tuas manchas e a tua maga. A tua paris. As ruas cinzentas da fusca luz daqui e dali. As tuas noites e a tua fome. O teu sentido.
Queria poder correr ao redor do teu reino Tom Joad. Queria diluir-me nos campos de feno e nas searas. Ver o sul da Califórnia. Sentir o calor das montanhas rochosas. Dormir. Dormir. Dormir na nova Orleães. Passar pelo mundo trauteando canções como se estivesse sempre debaixo do vulcão. Como se estivesse sempre… como se para sempre… tenho sede de eternidade. É impossível vivermos tudo num corpo tão pequeno. Impossível sentir todo o mundo. Impossível ler todos os livros. Impossível equilibrar todos os livros como se fossem castelos de vinho em cima das bandejas do poeta. Impossível falar de poesia. Impossível concordar com um livro. Impossível rasgá-lo ou abandoná-lo. Atirem-me um copo de vinho e um cigarro para que eu possa conhecer lendo e viajar pois esta biblioteca é a máquina do tempo. Esta alma encerra inúmeras almas. Todas incontidas. Esta sala mágica tem milhares de vidas multiplicadas por mil. E tem dezenas de sóis. Centenas de milhares de luas. Não pede a ninguém para agir. Não pede a nada para olhar. De noite. De noite. Não tem paredes e então há uma profusão de cheiros, uma parafernália de sentidos. Um caleidoscópio de ilusões. Esta sala é do tamanho da vida. Incomensuravelmente maior. Reconhecidamente menor.
Continuo com saudades. De quem ou do quê? Não saberei dizer. não sei o que procuro. Sei que procuro. A literatura não sabe que escreve. Sabe que precisa escrever. Esta sala não sabe que vive. Sabe que precisa viver. O sol não sabe que aquece. A noite não sabe que é noite. A abelha não sabe que poliniza. O mundo saberá que é mundo? Duvido. Paris saberá que é cidade. Tenho a certeza. Duvido que tenha a certeza. Tenho a certeza que duvido. Sou impossível. Formiga com alma de cigano. Perdido no tempo e no espaço. Quando cairá chuva? Quando viajará chuva? Quando?
Trago comigo dois livros – um de prosa e o outro de poesia. O livro de poesia também é da Dina. Mais da Dina. São para vós. Não existem sem o leitor. Como esta livraria – desaparecida ficará sem homens e mulheres.
Um abraço à minha Tia Anabela. A ela lhe devo este evento. E um beijo. Obrigado à Drª Elisabete Ferreira. Eternamente agradecido. E obrigado a todos. Por terem vindo e por me terem ouvido.
Nuno Monteiro
Não sei que espécie de beleza tem esta cidade. Não sei que algo cinzento. Não sei que lhe hei-de chamar ou julgo que será da idade. Será da idade. Tradição. Talvez. Ou serão os fantasmas dos guerreiros que por cá passaram. Serão as almas dos tantos que por cá passaram e por cá viveram. Serão as saudades. Vagueiam saudades que te tolhem o olhar e te obrigam a correr. Vagueiam saudades. Anunciam-se recordações. Tudo isso é Coimbra. E esta sala é o epicentro do sismo. É a marca indelével das estações do ano. Das minhas febris insónias. Das paredes caiadas de negro como se aqui fosse possível invertermos a vida. Como se nesse instante fosse possível transpirar lugares e vagares e anunciar cinicamente que o mundo é uma enorme biblioteca. Dança comigo porque também ele aqui está – fuma comigo porque também ele aqui está – das paredes soltam-se os autores num tântalo lamento. Então vive de novo – vivam de novo – vagueiem – insinuem-se – o mundo não é feito de tempo – não é contido em espaço algum. A noite não tem barreiras. Não tem ditames. Não tem preço. A noite tem ditos. E olhares. E posturas morais. Crimes exemplares. Cada noite é uma ilha submersa de espelhos. Consigo olhar para dentro de ti pequenina flor. Posso observar-te naufragada em suor minha cigarra amiga. O cinzento da noite e as avenidas quietas os passos do jardim botânico e os enormes edifícios da universidade. Todos gárgulas que se movem com orgulho. Morre em mim o esquecimento dos meus amigos. Tremo e anuncio ao mundo que esta cidade me acomete de loucura. A loucura das lágrimas nos olhos e a doçura na voz. O tormento das saudades. Das saudades dos tempos que eu julgava não existirem as saudades dos guerreiros que comigo estudaram. Não estudei cá! Não vivi em Coimbra. Mas é aqui o epicentro do sismo. É aqui como se algo sobrenatural se assoberbasse de mim. por detrás de cada livro as saudades que me embargam a voz e me comprimem o peito. As estrelas do firmamento tão longe por detrás das paredes caiadas de escuridão.
Queria que hoje fosse carnaval para poder fumar um cigarro. Um dia destes devo imiscuir-me nessa máquina maravilhosa que viaja no tempo. Para cumprimentar Buenos Aires. Para conversar com a boémia. Para ouvir as melodias que foram as tuas cortazar. As tuas manchas e a tua maga. A tua paris. As ruas cinzentas da fusca luz daqui e dali. As tuas noites e a tua fome. O teu sentido.
Queria poder correr ao redor do teu reino Tom Joad. Queria diluir-me nos campos de feno e nas searas. Ver o sul da Califórnia. Sentir o calor das montanhas rochosas. Dormir. Dormir. Dormir na nova Orleães. Passar pelo mundo trauteando canções como se estivesse sempre debaixo do vulcão. Como se estivesse sempre… como se para sempre… tenho sede de eternidade. É impossível vivermos tudo num corpo tão pequeno. Impossível sentir todo o mundo. Impossível ler todos os livros. Impossível equilibrar todos os livros como se fossem castelos de vinho em cima das bandejas do poeta. Impossível falar de poesia. Impossível concordar com um livro. Impossível rasgá-lo ou abandoná-lo. Atirem-me um copo de vinho e um cigarro para que eu possa conhecer lendo e viajar pois esta biblioteca é a máquina do tempo. Esta alma encerra inúmeras almas. Todas incontidas. Esta sala mágica tem milhares de vidas multiplicadas por mil. E tem dezenas de sóis. Centenas de milhares de luas. Não pede a ninguém para agir. Não pede a nada para olhar. De noite. De noite. Não tem paredes e então há uma profusão de cheiros, uma parafernália de sentidos. Um caleidoscópio de ilusões. Esta sala é do tamanho da vida. Incomensuravelmente maior. Reconhecidamente menor.
Continuo com saudades. De quem ou do quê? Não saberei dizer. não sei o que procuro. Sei que procuro. A literatura não sabe que escreve. Sabe que precisa escrever. Esta sala não sabe que vive. Sabe que precisa viver. O sol não sabe que aquece. A noite não sabe que é noite. A abelha não sabe que poliniza. O mundo saberá que é mundo? Duvido. Paris saberá que é cidade. Tenho a certeza. Duvido que tenha a certeza. Tenho a certeza que duvido. Sou impossível. Formiga com alma de cigano. Perdido no tempo e no espaço. Quando cairá chuva? Quando viajará chuva? Quando?
Trago comigo dois livros – um de prosa e o outro de poesia. O livro de poesia também é da Dina. Mais da Dina. São para vós. Não existem sem o leitor. Como esta livraria – desaparecida ficará sem homens e mulheres.
Um abraço à minha Tia Anabela. A ela lhe devo este evento. E um beijo. Obrigado à Drª Elisabete Ferreira. Eternamente agradecido. E obrigado a todos. Por terem vindo e por me terem ouvido.
Nuno Monteiro
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