quinta-feira, 26 de março de 2009

discurso lançamento Elementos


Os agradecimentos primeiro e então aqui ficam. À biblioteca Municipal de Barcelos e ao Dr. Victor Pinho que teve a amabilidade de nos proporcionar tudo isto. Ao Dr. João Lourenço e à Drª Manuela Ascensão Correia que foram tão gentis connosco e com este livro. Aos meus pais que estão sempre comigo. E como poderia eu não mencionar o Sr. Manuel José Cardoso Ribeiro que se associou à edição da forma mais despretensiosa que eu posso conceber.

Do livro vou apenas dizer que aí está, para os leitores, para que dele se possam servir e para que façam dele vida vossa com justificado sentido. Não escondo que gosto tanto de livros. Não escondo que me sinto bem na escrita. Não o escondo embora também me resguarde. Deste palco de sons e de paletas de cores que se voltam para ti para te obrigar a escrever mais e mais. Sabendo como todos que o livro de nada servirá se não cativar leitores. Os leitores que quando afundam e se deixam levar pelo suave balastro retornam mudados e suavemente mais felizes. Os leitores que então são parte activa na construção que fica a jusante da edição. Os leitores que verão uma nuvem a mais ou uma montanha a menos. Os leitores que reinterpretam a cada instante e que por isso dão novas cores à paleta carregada de luz. Desta vez nasceu um livro de poesia. Versos para ler e reler na calma da noite ou para matar a rotina de martírio dos nossos dias. Versos para ler e reler. As minhas palavras reconstruídas para vós e por vós. O meu livro entregue a vós e reescrito por vós os verdadeiros e autênticos donos do que lêem. Não há objecto mais mágico! O próximo sairá sem capa e sem cor para que na mente de cada um possa surgir a cor e os sons e o sabor e o paladar que melhor falarão convosco e melhor se adequarão a vós. Pode começar a leitura pelo poema que desejar. São muitas as formas de leitura. Dentro de cada pessoa as palavras farão o sentido que é uno e intransmissível. Porque o livro é o contrário do despotismo e da tirania. Porque o livro é a vossa liberdade e agudeza de espírito. E porque o homem precisa desesperadamente de se mover livre por entre as estrelas e o firmamento. Porque o homem precisa de sonho e códigos. Precisa de novos horizontes para que se possa reafirmar. E o livro e a escrita, os versos e as palavras são os vossos momentos de calma e os vossos mergulhos no escuro.

Julgo que muita da insegurança e da destemperança hoje sentida e vivida advém da falta de leitura e da consequente reflexão. A vida impele para uma correria desenfreada mas o homem também se deixa arrastar e muitas vezes até luta para suplantar o outro. Começa aí o seu calvário. Reside aí a sua insatisfação. Em breve acometido de um quase sórdido desejo de mais e mais poder, de um mais e maior ter e de um paupérrimo sentido social e de justiça. E então a crise abeira-se e senta-se connosco na sala de estar e na cozinha. Crise que é do homem. De cada homem. E então versos para ler e os vossos momentos de calma e os vossos mergulhos no escuro.

Com vosso consentimento lerei um pequeno texto que escrevi sobre aquilo que é para mim a literatura e a escrita.


O escritor e a escrita

Quem me explicará como se escreve bem? Quem me dirá como se retrata o belo? Porque há o lírio e as papoilas do campo e essas são belas. Mas também há a terra e o mar que são lugares imensamente belos. Então e a silhueta de um veleiro de velas enfunadas na manhã clara e calma de um dia de primavera. Belo também. E as palavras escolhidas com tanto labor, e as palavras cozidas como se fossem teares e os tapetes de Arraiolos. Ou os tapetes de flores do Alentejo. A literatura é belíssima. O acto de leitura é de uma serenidade e de uma sinceridade belíssimas. E os textos mais simples são tão bonitos.
Senti-o que voa de planeta em planeta para se descobrir a si próprio; atraiçoai o infeliz momento em que Coyotito morreu ou sede capaz de sentar na esteira de espuma da Isla Negra, percorrei as entranhas da vida esconjurada na selva até dardes de cara com esses olhos malditos desse demente ou deixai que o frémito da paixão vos arrebata quando se aperceberem que Carlos e Eduarda não são senão irmãos.
O que são para mim os livros? Representações de tantos belos alternativos como se todos juntos fossem os nossos guardiães da vida. São ferramentas de cirurgião que nos rearranjam por dentro e que nos impelem a seguir em frente. São calmantes para os hipertensos e são setas de venenos correctores que nos assolam o espírito e que promovem mudanças. Quem disse que se aprende com a vida? Aprendo com os livros que leio, porque os livros valem mais que a vida. Porque o âmago de um livro encerra sinceridade, ternura e compaixão e esses não encontro em mais lugar algum. Por isso mesmo o livro é belo. Desde que esteja realmente bem escrito.
Daí que eu volte à questão inicial. Como se escreverá um belo livro? Não pode ser feito com base numa fabulação de uma sociedade. Porque infelizmente nós não estamos rodeados por Camelot nem eu alguma vez terei visto alguma Távola Redonda. Por mais que a queiram imaginar tentai explicar o conceito aos esfomeados do nosso país. Deverá, pelo contrário mostrar sinceridade e explorar o hiper-realismo que despoletará no leitor a apreensão e a vergonha. Daí que os livros precisem versar o espírito humano. E o que faz o homem quando é contrariado? Repensa-se e reorganiza-se.
Mas o livro tem que ser mais que sinceridade. Também deve ser tensão. Também deve ser mágoa. Tem que encerrar arrependimento. Não poderá nunca ser de outra forma porque o escritor é um escolhido. Escolhido como um condenado por todos os males que os outros ou ele próprio fizeram. E a sua única forma de remissão é a compartilha nua e crua e sincera e mágoa. Então a literatura passa a ser uma forma alternativa de prisão como se o escritor fosse ao mesmo tempo preso e libertador, sob ele impenderá sempre a faca da atrocidade e a ele caberá sempre denunciá-la e degradar o mal. Como um paliativo para o sofrimento. Mas o que mais sofre. O sofredor que entrega aos outros calma e serenidade em forma de libertação. Eis a encarnação do altruísmo. Daí que a literatura seja bela. E toda a escrita é bela desde que dissolva o sofrimento. Como os lírios do campo ou as montanhas na sua quietude ou ainda os mares salgados e os ventos e as borrascas.
Julgo agora já ter dito suficiente. Julgo que agora melhor será que me cale. Para deixar o livro em paz nas vossas mãos. Resta-me a consolação de vos ter tido aqui comigo. Muito obrigado a todos. E muito boa tarde.

Sem comentários:

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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