sábado, 8 de janeiro de 2011

Os contos de fada


Caía a noite quando, à ilha, ela chegou. Eterna e exuberante, trouxe-a a lua. Inteira, bojuda e invejada, querida barriga que verte filhos e aleluias a esta terra. Eu comia dela. Era um sabor intenso e propenso. Havia um oceano de tornados entre as minhas ideias e as dela. Havia uma carga de silêncios mal fadados entre o branco do vestido dela e esta minha destemperança. Acima de tudo, julgo eu, havia uma espécie de amor. Um jovem e intenso amor.
Chegou num enorme galeão, filha de príncipes e de reis, entada e sobrinha de capitães, cheia de passadeiras vermelhas e eu, pobre aldeão, vira-a e foram a tez branca e os olhos azuis quem para mim falaram. E era assim o poço que entre mim se estabelecera. E deixei de estar em lugar algum, deixei que querer comer, deixei de ouvir o paladar das carícias e de sentir o cheiro dos mimos de minha pobre mãe. Vegetava. Vogava só e exausto sobre um mar de insónias. Vivia e sofria como numa noite perpétua que julgava que ali não pertencia.
Foi só quando minha mãe desatinada chamou o padre que eu dei acordo de mim e apenas porque o cónego, um homem generoso acima de tudo, sabedor de psicologias como poucos me disse ao ouvido, do teu estado, do teu estado eu sei apenas que são males de amores e esses males só se deixam combater olho no olho com ela. Fá-lo o quanto antes, se não queres passar o resto da tua vida olhando por cima do ombro e sabendo a fel e a inveja.
Então fui por esses montes e corri, corri, corri imensas léguas. E devo ter encanecido porque estaria tão longe quando minha mãe me acordou estremunhado. Ai mal da minha vida. E pronto. Vigilante, fui de noite e bati TOCTOCTOCTOC atendeu-me um criado que me miraria de alto a baixo e que me apontou um corredor estreito de mais para mim. ao fundo estaria a lua lado a lado com a minha amada. Um pouco mais de azul e eu conseguiria encarrilar por aquele caminho. Pode ir meu senhor, ela está há muito à sua espera. E logo uma inconfidência a ilha é pequena de mais, leve-a daqui. Ainda as pancadas na porta reverberavam dentro de mim. Paulatinamente deixava de ser noite e uma luz tímida e íntima crescia por mim acima.

Nuno Monteiro

2 comentários:

Dina Cruz disse...

Lindo.
Feliz 2011.
Abraço

Daíse Lima disse...

Adorei o post!
Vc escreve muuuuuuuuito bem!
Bjo!

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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