quinta-feira, 16 de abril de 2009

Para os meus alunos...


Hesitei muito antes de escrever este texto. E não estou certo se o conseguirei escrever até ao fim. O público é mais exigente. É a primeira vez que me apresento perante uma plateia de jovens. Mas por outro lado não posso desgarrar esta oportunidade. De estar aqui convosco e de vos olhar face na face e de vos falar. Calmamente e sem pressões. Como se estivesse a ler. Calmamente e sem sujeições. E antes gostaria de vos agradecer. Da mesma forma gostaria de agradecer a todas as pessoas envolvidas na nossa vinda aqui. Não vou abordar o livro – que até já foi alvo de uma análise por parte da vossa professora. E sem querer depreciar ou beliscar a apreciação que aqui foi feita eu acrescentaria apenas que a poesia é um estado de alma e enquanto estado de alma sente-se, vive-se, contempla-se, acrescenta-se. Reinventa-se a cada leitura.
Quanto a vós alunos que estais aí sentados… e sem vos querer maçar…gostaria de dizer apenas que eu me sinto tão mais confortável a ler. Os livros seleccionados por mim e não as modas ou as imposições dos outros. Julgo que cada um de vós deveria manter a liberdade de escolher o livro para a semana. Como se fosse o tpc que eu marco para mim próprio. Sempre fui avesso às imposições…e para meu martírio esta vida é um sacrário de imposições…um sortilégio de espiões e de delatores…um imenso hall de inveja e de escárnio. Onde eu me sinto por vezes perdido. Onde não há âncoras dignas ou onde faltam mastros elevados como altos desígnios. Para além de ser escritor sou também geólogo e se a vida me maça e me arrelia vezes sem conta dou comigo perdido na imensidão da serra olhando os pastores com as ovelhas. E ao final do dia cheio de fome e de frio desço para o incerto e para o egocentrismo. Para o meio dos que julgam que sabem. Para o meio dos que sabem que sabem tudo. E quando estou no meio dos que tanto sabem eu calo-me e escuto. Normalmente asneiras ou imprecisões. Ou resguardo-me e embrenho-me nos meus livros. Nos livros dos outros que eu considero meus. E ouço-os falar comigo como se fossem rochas. E os livros não inventam, não gaguejam, não têm medo, não proíbem, não são autoritários nem tímidos nem piegas nem avaros nem gulosos. São peças vivas que querem que tu lhes pegues. Que chamam por ti e que te dão vida e sabedoria. Tudo o que o homem precisa! Tudo quanto tu precisas são pórticos de saber são compêndios de filosofia que te ensinam a arte do sorriso ao longo do corredor da vida. Não te esqueças que as palavras escritas não mudam nem mudam de casaca. São imunes aos poderes são voz do contrário e não têm medo. Não conheço compêndio mais vivo de sabedoria que páginas e páginas de papel de escrita.
Para além de escritor e de professor sou geólogo nas minhas horas vagas. E para as serras levo os meus filhos e três livros. E nos intervalos das merendas em meio de monte e de urzes em meio de bichos e de cobras digo em voz alta uma história …e eles os dois…os dois pequeninos o mais pequenino tem quatro anos grita comigo muito alto…e eu julgo-o louco…louco e livre…embrenhado em histórias e então eu falo com as pedras e digo-lhes logo de seguida que também as pedras nos estão a ouvir e se pudéssemos encostar-lhes o ouvido, se pudéssemos encostar-lhes o ouvido então também elas nos contariam a sua história. E que história. A importância da história. Livre e aos berros. E os outros levantam-se de dedo em riste e acusam louco…louco…louco…doido. E aí eu rio e digo que sim que sim que sou e acuso, e então acuso. Acuso-os a todos de imparcialidade na leitura e no juízo. Quantas vezes os meus alunos me acusam de loucura. E eu importado com isso. O estado normal do homem é um estado de loucura. Uma loucura sã de tertúlia e de verso. E uma loucura de verdade e de altruísmo. Ou um estado de loucura que se confunda com criatividade. Um criativo ajustado que derrube os outros com uma única tirada irónica. É para isso que serve a leitura. É ela que te dará a capacidade para o fazeres. E só assim poderás ser homo sapiens sapiens. Duplamente sabedor. Doutra forma serás um excremento egocêntrico em meio de irrisórias figuras espectrais.
Tenho muito medo do que será o vosso futuro se vos não quiserdes aproximar da literatura e da cultura. Porque só a cultura é a passadeira que vos fará caminhar em direcção à verdade. Só a cultura vos permitirá reunir armas para vencer. Tendes um futuro armadilhado à vossa frente. Tendes um mundo incerto e vagabundo à vossa frente. Sois vós que apanharão com todos os desmandos que têm sido cometidos. Vós. Vós sereis porventura a primeira geração que perderá qualidade de vida. E eu olho-vos e vejo olhos caídos e sonhos mortos. Péssimo sinal. Como se um corvo agoirento sobrevoasse o céu.
Já deveis ter ouvido falar na China e na Índia. As chamadas potências emergentes. São quem manda no mundo. E vão mandar mais. Muito mais. Porque ensinam mais e melhor os filhos. Porque os meninos chineses sabem mais e são educados num ambiente de maior rigor. E crescem enquanto adultos mais capazes. Nem o dinheiro nem a terra chega para todos e se então eles ocuparem o lugar então serão vocês que se sentarão no chão. Serão então vocês a geração dos quinhentos euros semanais. Vocês sabem o que é viver com quinhentos euros? Não é a literatura que só por si nos irá salvar. Mas ajudará. Ajudará a fortalecer as pequeninas células nervosas. Ajudará porque inexoravelmente fará o adulto e conduzirá à ideia, à obsessão frenética. O trabalho disciplinado e regular que nos salvará jaz hoje pedinte aos vossos pés. Será que vocês o querem?
Uma última achega…e depois podeis fazer-me as perguntas que quiserdes…muitas vezes vos tenho visto lado a lado estrada fora mas cada um com seu telemóvel … boca calada e dedo polegar frenético…porquê?

1 comentário:

Anónimo disse...

Ouvi hoje este texto em Moimenta...
foi fantástico!!
Tenho aqui o "Elementos" ao pé de mim.
Parabéns pelo trabalho!
Cristina Machado

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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