quarta-feira, 2 de março de 2011

Peter

Sempre que lhe pergntavam, ele abria os lábios num sorriso puro e dizia! Peter e logo no instante seguinte, quando já se havia esquecido de quem era, chegava a vida montada num corcel cinza e esbofeteava-o. Ele fechava os olhos e cirrava os dedos por dentro dos ossos das mãos. Esse não seria o momento de ouvir cantiga alguma e contudo ouvia-a já que gostava de dizer teimoso… Subia a estrada, chutando pedras do caminho e apanhava chumaços de gramínias com os quais enfeitava a pele das mãos e quando via ao longe algum estranho ficava parado como olha aquele que não ignora. Pedia esmola e se o exaltavam ele escarrava e voltava a face. Todos os sonhos lhe fugiam. Havia apenas um. Chegado à aldeia procurava o bar e abria as portadas com os pés, entrando de rompante. Pagava rodadas e rodadas a todos e já bêbado, sacava de alguma guitarra que ali vivesse e no fim, agradecendo, dizia, como se falasse por intermédio de alguma criança, estranhos, eu sou Peter, da terra de pan. E acreditava mesmo naquilo e ouvia-os a rir e a vocejar mas era assim que ele se mantinha cativo. Peter, da terra de pan. Algures lá longe havia um hospício com uma cama vazia. Eu sempre pensei que não. Este mundo precisa mesmo que ele seja quem diz ser. Ao som da cantiga, na manhã seguinte, nem ele compreendesse, deitava os pés ao caminho e inflava os pulmões ao mar de vento. Peregrinava e quanto mais andasse mais as multidões lhe sumiriam vazias. Haveria, ao cabo do mundo, Rocamadour e essa morada, tão bem o sabia, trar-lhe-ia paz.

Nuno Monteiro

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas