quinta-feira, 3 de março de 2011

Asas quebradas


Existem olhos pequenos e olhos grandes, olhos brancos e olhos escuros, existem olhos que veem e olhos que veem doutras formas. Existem olhos que olham outros olhos. Há olhos de cristal que são sorrisos e há olhos vazios que estão perdidos.
Eu, ao pé do Guadiana, tendo atrás de mim a belíssima cidade caiada de branco, enquanto sentava , calhei de a ver olhando bem dentro dos olhos dela. Pois bem. O que será feito do antigo sol e da alegria que dantes eles continham? Para onde terá ido todo esse mar? Calhei de a ver olhando bem dentro dos olhos e eis quando me assustei já que em vez de olhos azuis celestes, eu vi um país de areia imensa e nem um abraço. Espaço, espaço infindo e um buraco do qual só se sai pelo fundo. Calhei de a ver e de lhe mirar os olhos mas ela não, passou sobre mim e não me olhou, creio até que terá afastado o olhar. Antes assim. Eu teria chorado.
Alguns olhos vagueiam perdidos por esta nossa imensa noite, como se viajassem perpetuamemente num metro ou num autocarro ou num rio como este Guadiana.

Nuno Monteiro
“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas