sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Faminto poema


Vejo-a e está tão sã a ponte entre a neblina. Passam os rios indecifráveis e levam-na os homens do mar quando a choram ou ainda as gaivotas quando a voam. Abate-se súbito o sol e clareia, limpa o ar e cessam os ventos alíseos. Tu cessas e deixas de chegar. Movem-se lá ao fundo os meros como se os habitasse a saudade. Sim, amigo, a saudade habita-os já. Nem sob a neblina nem no fundo. Não há Paris alguma e muito menos noite. Ó noite mais as badaladas ímpias da minha mocidade. Ferida, quiseste ir morrer longe. Paris está prenhe de novo. Nem um latido incomoda a minha noite. Eu, cessante, não durmo. Tenho fome. Tenho cada vez mais fome. É Paris quem me acaricia ronronando. Tu com fome? Veste umas asas e vai falar com as estátuas. Elas serão a tua salvação. E te não esqueças da máquina fotográfica que te mantém cativo. Na noite, por debaixo da ponte metálica, procuro o sol que tu foste, procuro a minha viagem, o meu comboio, limpo-me da minha Sibéria. Sei, ao cabo de quase quarenta anos que não há fama nem fortuna em lugar algum… nada que preste nem nada que resista. Mas há tentativas tantas quantas manhãs. E que algumas renascem esperanças…

Nuno Monteiro

1 comentário:

Dina Cruz disse...

"Mas há tentativas tantas quantas manhãs. E que algumas renascem esperanças…"

Cada manhã nova luta.
Cada manhã novo alento.
Cada manhã nova esperança.
Cada esperança... nova manhã!

Abraço do coração.

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas