sábado, 13 de novembro de 2010

Ericeira, algures num recorte de papel


Se o queres salvar toma-o e lê, em teus lábios encontrei um mundo abensonhado, uma leira de terra e nela ergui a minha cabana, era ali mesmo ao cabo da terra, para lá dela, para ocidente, afundava-se a água e viviam os meros.
Recordo o teu colo nu. Sorrias, tinhas um sabor a morango e saltitavas louca das pernas esguias e dos olhos mudos, esquecidos. Da pequenita casa de madeira donde olhavas, logo pela manhã, o céu e o mar, lembravas uma escuna galopante, ávida. Recordo como me dizias, vem comigo para a praia e deveriam ser seis ou passariam trinta das seis. Era Verão então e tu vestias calções e cobrias os seios com um pedaço de pano branco. Davas um laço simples ou então ias-te de casa como se te não preocupasses… Passavas por mim a voar e eu ficava sentindo o teu cheiro doce. Quando te ia para tocar já o sol zombava alto, já um tépido calor subia pela areia e já teus pés, envoltos em pequeníssimos cristais de quartzo diziam en garde mundo, eu vim para te salvar e dito isto submergias na espuma das ondas e eu retinha o instante em que a tua cabeleira farta se ocultava contigo. Era ao fundo do mar, na companhia dos meros, que finalmente nos tocávamos. Recordo uma vez mais o teu colo nu. Apenas um colo em curva e uma pele tisnada, ardente. Lembro que sempre que engravidaste me ofereceste uma borboleta rosa. E era sempre ao fundo, onde a calma era completa, onde o mundo, alheio a tudo, nos vivia palpitando.
Sabes, adoraria que algum dia me vertesses rindo, nas páginas dum livro! Um dia obrigar-me-ás a escrever um. Será singela a oferta. Mas então não haverá mais tempo. E o mundo sucumbirá.

Nuno Monteiro

1 comentário:

Dina Cruz disse...

Simplesmente fabuloso...

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas