sexta-feira, 22 de abril de 2011

Monte Sinai

Não há dar sem receber e recebe-se pelo próprio facto de dar; são a noite e o dia juntos numa jornada: se assim não fosse não haveria dar nem receber verdadeiros, mas só mero simulacro. E justamente quando as nossas forças decaem e o fazer-se se torna menos possível – quer dizer, quando o para quê viver quase não tem resposta prática – resplandesce mais a transcedência do para quem viver: para aqueles para quem somos desejados, embora vencidos e caducos, porque, mesmo assim, somos seus indispensáveis colaboradores no seu fazer-se, no seu próprio viver para nós. Ter aqueles que nos querem, e ainda mais no nosso desfalecimento e ocaso, é o culminar de quem somos; é a segurança, até ao fim, de fazermo-nos, recebendo, tal como nos fizemos dando.

Monte Sinai, José Luis Sampedro, Tradução de Carlos da Veiga Ferreira, Teorema, Gabinete de Curiosidades
“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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