Ouma nasceu indígena da ilha grande das Maurícias… fez-se mulher morena, de longos cabelos lisos, que lhe escondiam a face e que floresciam ao vento. Nunca aprendera a escrever nem a ler! Nunca aprendera a falar (o dialecto do homem branco, convém que nos entendamos!) Vivia, quando não ventava perigosamente do mar, sob a falésia, alta, olhando-o, tacteando-o que chegavam e partiam vapores, foi e é assim desde sempre…
Porém, Ouma, única, pois era só ela que conduzia o rebanho para a falésia. Algo a queria ali. Algo a não tolerava ali. Garatujava num linguajar muito parecido com o vento e os murmúrios da ilha, houve um dia, um dia em que o mar estaria excepcionalmente calmo, houve um dia em que Ouma se atirou da falésia. Morresse, as cabras dariam selvagens pois já pouco lhes faltaria. Salvasse, e nadasse, teria algum barco que a recolher e teria algum homem que lhe dar de comer. Aprenderia a falar (esse dialecto banco!).
Muito tempo se passou e Ouma não morreu e Ouma encontrou o tal barco e Ouma cabelos vagos de porcelana, navegasse…
Vento
Noite
Vento e noite…
Vinte anos mais tarde, bem vestida e bem instalada, já dona de uma caligrafia de princesa e de uma casa ilustrada, Ouma recordaria o dia em que mergulhara nas águas do oceano. E então, tendo já passado pela vida, estaria arrependida, sentindo saudades… se pudesse uma vez mais ouvir relatos da falésia, nas Maurícias, e pergutasse às cabras, por certo, nos dias tempestuosos, quando por dentro do ar há uma redoma de calma, ficando a culpa e a maldade postas de parte, haveria de olhar e ver, não as rugas e a pele quebrada mas os cabelos soltos e os pés de aluvião…
Mais vento
Mais noite
Dor
Demasiado tempo se passou e Ouma, mulher morena, pálida, acabaria por perder a vida entregue a um delírio, desgosto de falta de mar e de sol. Terá sido, talvez, o diabo quem a tentou aquando do salto A água, bebere-a do poço e os candelabros, os candelabros envidraçavam os quartos e a banheira Ouma, morena, era frequentemente vista ao longe, muito alva, enlouquecida, nua do seu rebanho.
Nuno Monteiro
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