Quando acordou, ainda mais cansada, logo estranhou a ausência de ruído. Esteve um esgar de tempo com o olho esquerdo aberto e a orelhita à escuta, após o qual, já amedrontada, ergueu a cabeça. E o gato, por onde estaria? Destapa-se e cobre o corpo com o robe, este silêncio, querem ver que o mundo comeu todo o ruído? Da janela que abria dava para ver lá ao fundo a estrada que, àquela hora já corria ufana na chusma de automóveis. Pois bem! Não é que nem um. Atravessou-a um momento de medo intenso, agonia, sentar-se-ia e restabelecer-se-ia. Cinco minutos, cinco dias, quem haveria de saber dizer quanto tempo!… chega à porta da rua e na rua, as árvores, frondosas, floridas, um cheiro que inundava o espaço, barulho das abelhas, nada, barulhos vários, népias, apreensão. A mão dá para pegar no telefone e, quando o descobre mudinho da silva, vê, na rua, Wenceslao, o crítico perigoso, derrubar com um tiro certeiro o ardina. Estranha que não ouça o silvo dos carros da polícia. Estranha não ter ouvido a bala, estranha que a tenha visto, estriada, a caminho. Então lembra “o legado de ruínas de Don Adriano”. Fechou a porta da rua à chave, correu a correr as persianas e no escuro calmo da selva, estranhou; chegou o reino das trevas. Permanece atenta, sob ameaça, deixa que o tempo passe, envelhecida, esfomeada, ouve Tomás, lambendo-lhe a mão, aninhado, os olhos arregalados, a cauda quieta.
Nuno Monteiro
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