quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Amanhã amanhecerá cinza

Há barricadas nas estradas da minha terra, estão a matar pessoas, estão a matar crianças, e eu aqui tão longe, e eu aqui chovendo, são os pobres os que perdem primeiro o futuro, são os países pobres os mais pobres dos pobres, a minha terra em chamas, o meu chão em chamas, e eu que envelheço e eu que envergo luto e eu que falo sem que alguém me ouça, será agora noite na minha terra, será agora noite escura pintada de vermelho de balas, eu, por enquanto, encolho os braços e recolho a voz, porque, lá tão longe, as mortes, as crianças e os berros, não os ouço. Amanhã amanhecerá cinza, uma cinza de vergonha, nos olhos e nas mãos.

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas