segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A Óscar Málaga Gallegos


Vive nas asas de glória de uma tenda tuaregue. E porque é eterna a infância, houve um sorriso e um beijo, um abraço trocado; crescido, as asas e um vento dali o levaram, hoje, um grande senhor, um homem garboso, esta é uma noite, estrelada, ao deserto, ele revive enquanto chora. Tem rugas no rosto embora por dentro ainda seja criança, o vento empurrou-o para uma mágoa de ter crescido…
No dia seguinte partirá, afrontará a distância e levará as saudades para um qualquer outro local, enriqueceu; que interesse para mim tem todo este ouro?, ainda que tivesse mãos de artesão e com elas pudesse trabalhar o rosto da minha princesa, ainda que assim fosse, não seria o rosto da minha princesa, porque o ouro, do brilho intenso, não sorriria incerto como o rosto dela. Bebia dum trago e num sufoco decide; batendo as mãos, madrugada, de imediato vinham até ele dois lacaios, lacaios! Ouvi bem, mandai homens com cavalos, na direcção dos pontos cardeais, procurai a minha amada, mandai ditar prosas pelo chão, dizei avisos, eu esperarei eternamente, a minha tenda, preta de dor, viverá à deriva, nas areias salgadas e ardentes…
Pois que a encontrem, então, por esse mundo fora. E que se não deixem abater, os valorosos cavaleiros do senhor, já que a tenda, a casa, vive de saudade, vive de cantigas, vai constantemente ao encontro de outras paragens, deambulando como louco, vazio e arenoso, calado ausente.
Os olhos pousam nos outros olhos e sempre que esses outros olhos apagam, Pedro, que é Rulfo da parte do pai, crê-se a ele próprio vivo pois que as asas que o impelem, cegas, não têm lugar num mundo como este… sobrevive escondido por detrás das túnicas pretas do deserto, num desassossego de tragafogo.
(Há tantas pequeninas histórias de saudade), olhai, lá parte o comboio, mas, embrulhada num livro, eu bem a vi, o que é que a mim me escapa, eu bem vi, Maria Romaninoff, a pequena princesa russa, embarcando, dona de um vestidinho de lantejoulas brancas, a via láctea pontilhada, carregada ao colo como só ela entrega de mamar ao filho.

Nuno Monteiro

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“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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