domingo, 17 de outubro de 2010

O Tango do Mundo

Nos olhos a saudade:

adoro as tuas pernas de Buenos Aires e os sapatos pretos que te encantam bailando,
o triângulo de cetim que se dobra sobre ti como se fosse traição,
o sangue que te inunda a face e te cora de vergonha ou a mudez que te leva dançando
adoro as tuas mãos que tocam gentis e esse teu passo arrastado, quase cansado

Um tango que te leva:

Tuas as mãos quiseram as pétalas que te escondem os mamilos
Enquanto
água suada te cai pelo rosto e tu ris por fim
o cabelo apanhado em espuma vermelha
e uma figura de linho que pousa no chão um pé oblíquo
e estendendo o braço pede um abraço.

A viagem transcontinental:

suga-a em Paris, apalpa-a e obriga-a a uma dança
um trago de emoção
mistura-lhe o coração
trá-la ausente do traço
fá-la descrente
no mesmo braço, presente e ausente, com os olhos fitos num laço


À noite:

Envolve-a num carro sobre a escuridão
Parqueia em frente à mansão
Atravessa Versailles, franco e confidente
Envolta-a num pano preto e
Condu-la às cegas…
Quando do mundo suficientemente retirados
Morre-a na madeira do chão.

Nuno Monteiro

Sem comentários:

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

Prémio Histórico - Filosóficas