Morava uma estátua num quarteirão em Paris, numa praça dum quarteirão em Paris, ao fim duma rua dum quarteirão de Paris. Talvez em Paris não empreguem o termo quarteirão. Defronte dela, da estátua, morava uma outra estátua, com longos cabelos pretos ondulados e seios não tão pequenitos assim, que aleitavam.
Num dia de ventania, escuro como breu e julgando ver Satanás ela gritou um silvo horrível e vergou-se de joelhos. A estátua tinha partido os ossos de ambas as pernas. Foi quando a outra estátua, eu, arranquei os meus pés do chão e caminhei como sobre betão e ferros retorcidos até chegar junto dela. E junto dela, após exterminar os fantasmas e os abutres que a profanavam com gestos e gritos orientais, peguei-lhe ao colo e aluguei, numa pensão barata um pequenito quarto. Foi quando finalmente descobri por que “Paris nunca se acaba”. “Entalei-lhe” as pernas durante quase dois meses para que, cicatrizada a ferida, se não notassem cortes nem cicatrizes. Há que ter estes cuidados quando tratamos com a aparência das estátuas mulheres... Lavei-lhe o corpo uma vez por dia ao longo desses dois meses, e vim a perceber, paulatinamente que a estátua de cabelos longos ficou perdidamente ardida de amores por mim…
Nuno Monteiro
Nuno Monteiro
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