quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Livraria Trama - Lisboa


Tu, dentro do meu olhar…

O meu trevo é um trevo de quatro folhas e cada uma delas aponta um norte diferente cada uma delas aponta uma gota de chuva cada uma delas rasga uma diferente clorofila cada uma delas voa num vento distante – porém todas estão tão perto!

e.

Sei contudo que entre os muros há muros e por cima dos muros crescem muros e que todos esses muros… bem… desses muros… deixemos os muros… larguemos os muros…

e.

O teu trevo é uma canção o teu olhar vibra de emoção e toda a tua moral… toda a tua viagem corre pelos mundos e se te move o olhar… se te moves livre por dentro dos olhares…

Eu, por dentro do teu olhar!

Do meu pequeno recanto
(O meu tacanho recanto é realmente de uma beleza sadia extraordinária)
Do meu pequeno recanto abarco com a vista todo o rio que me cerca… com a vista que por vezes me cega e me deixa um pouco lívido… abarco com a vista e embarco na viagem. A viagem é o alcance da vida…
Do meu pequeno recanto escolho à vista barco comandante e equipagem. Destino nenhum, qualquer! A viagem o suco… do meu pequeno recanto. O meu pequeno regato. O meu encanto de solidão.
(O regato escuro do meu encanto é realmente de uma beleza singela)
Mas quem mais se deitará comigo? Neste nosso louco vento… ao luar! por cima do capim, por debaixo da aba da humanidade, por sobre um enorme toldo de circo – encharcado de água e perdido de vida – humanidade fria ventosa uma frágil face sorrindo uma ode por cima das águas.
Nesta minha vida toldo o circo das cores correctas e ouço as estórias trazidas pelo luar – sorrio quando me mostram o linho e o pão – inebriadas estórias de fugas e madrugadas inebriadas gazelas que me deixam inquieto no meu pequeno recanto
(o meu tamanho recanto é realmente…
A minha casa o meu jardim o meu espelho…)
Lá por fora moram os lobos! Rangem os dentes às pedras da viagem… magoas os pés de cada vez que corres atrás das estrelas… passam por ti milhares de cometas que te deixam o cabelo pintalgado de fogo… muitos são lobos por falta de opções… muita maldade polvilha as entranhas dos lobos… ao luar! Neste vento maldigo… afundados em escuridão homens confundem-se com lobos… por travo amargo do veneno… não deixas de cumprir tua viagem… mas quando cessas olhas tua face magoada e admiras-te com teus cabelos de fogo. Não. Não cessas tua viagem. Nada de ti abandonas… percorres os caminhos pisando com os teus pés. Como são belos os teus pés! Como és bela por cima dos teus pés!
(recanto tamanho este meu lago de serenidade…)
Sabes! O rio das águas não acabará nunca! E nunca os lobos poderão morder teus cabelos de fogo. Ou sequer teus pés lívidos. Gosto das tuas histórias. Gosto do teu coração…
O meu pequeno e inocente regato é uma capitania de navio… vogo num lago de lágrimas pela geografia da etérea literatura. E sonho com o caminho. Trabalho num sonho. Em volta de mim tudo é terra mirabilis. Em meio de mim nada arde tudo arde! Bebo da infantil e frágil face da humanidade ventosa… só as montanhas me assustam… só com elas me entendo…
(o meu pequeno regato é contudo…
… o mundo de todas as janelas as janelas de todos os mundos…)
Sabes que teus pés encerram todos os teus sonhos! Sabes que podes descalçar e correr areal… sabes que teus pés te podem içar ao navio e voar igualzinho ao andarilho… as tuas asas são os teus mundos… Do meu pequeno recanto! No meu pequeno recanto! Olho ao longe a brancura da noite e barulho ébrio no deserto de mescal…

É dessa ode que é um trevo que navegam todos os capitães e que cristalizam árvores para semear raízes…

e!

Destruir os muros destronar os guetos

e!


Loas de broa e lendas de linho … por sobre a mesa por todas as flores.


Texto que serviu de base à apresentação d'O Poço e d'O Elementos na Trama em Lisboa.


(discurso com alterações - !!deixei ficar os papéis com a Andreia!!)

1 comentário:

“ A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.”

António Lobo Antunes

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